Em maio, um aneurisma cerebral matou o baixista Pedro Souto, garoto de apenas 23 anos, da banda brasiliense Almirante Shiva. O grupo já tinha firmado um
compromisso com o festival Paraíso do Rock no Paraná, então veio cumprir com sua palavra e tocar com um
amigo no lugar do parceiro que morreu. Veio se despedir.
No sábado, no gigantesco galpão do CTG da pequena Paraíso do
Norte, de apenas 13 mil habitantes, Almirante Shiva agigantou-se no palco. Um
power trio de fundações pinkfloydianas e peso zeppeliniano, psicodelia com
lápis nos olhos, visual de cartum do Robert Crumb, a banda fez a sua despedida com
um show de puro transe, lisérgico, visionário.
Pouco antes do Almirante Shiva tocar, também Wander Wildner
tocou com seu grupo, que incluía a baixista Georgia Branco (ex-Mercenárias) e a
baterista Pitchu Ferraz (ex-Nervosa), duas instrumentistas saídas de bandas
riot girrls.
Wander andou cabisbaixo depois de polêmica na qual se
envolveu em 27 de maio no Fatiado Discos, um bar na Alfonso Bovero, no Sumaré, após citar no
palco uma canção de 2007, Eu queria me casar, e ser acusado de machista e
racista. Wander não tinha intenção de ofender, mas muita gente se ofendeu e ele
acabou reconhecendo que a música, feita numa época em que não se debatia
adequadamente as posturas de opressão de gênero, não é adequada.
“Essa letra me foi apresentada como transgressora (eu não
era o letrista da banda). Violência de um personagem psicopata com estética de
filme de terror. Essa era a desculpa da época. Pura idiotice, ridículo. Não sei
como deixei isso passar. Realmente, não tem desculpas. Depois percebi que
estávamos na verdade reforçando o padrão machista imposto pelo patriarcado, e
que isso é na verdade a base desse 'sistemão' que vivemos. Então, não tem nada
de transgressor aí. Definitivamente, não me orgulho disso, muito pelo
contrário, morro de vergonha e de raiva de mim”. Novos tempos, novas posturas.
Mas o fato é que Wander ficou abatido com o tribunal do
facebook, com os dedos apontados na cara, e acabou cancelando todos os shows da
temporada. Por sorte, manteve o do Paraíso do Rock por amizade com o promotor,
Beto Vizotto. O show foi extraordinário. Há um componente de expressionismo
insano na performance de Wander, que é muito conhecido pelo seu pioneirismo no
punk rock gaúcho com Os Replicantes, nos anos 1980.
Além da alta octanagem sonora de seu power trio, Wander está
ficando melhor com o tempo, com a performance infatigável e a alienação
charmosa de coadjuvante do filme Arizona Baby, dos irmãos Coen.
“Minha vontade é ser bonito, mas eu não consigo. Eu sempre
volto atrás”, diz Wander, no Mantra das Possibilidades, talvez um dos clássicos
mais inteligentes e com pegada de haicai de Paulo Leminski que exista no cancioneiro
punk nacional.
Mas era uma noite de grandes surpresas no festival. Tão bons
quanto Wander Wildner e Almirante Shiva, os paraibanos do Seu Pereira e
Coletivo 401 instauraram um salão de baile no CTG, mas sem vanerão.
Com trompete e trombone no amálgama, Seu Pereira parece se alimentar
das melhores tramas de Mundo Livre S/A, fundindo baião com funk, samba-rock com
martelos agalopados, Criolo com Chico Science. É impossível resistir ao Seu Pereira. No meio de uma levada, ele enfia um dos mais famosos desafios dos repentistas nordestinos, Eu Quero Que Você me Diga o Nome de Vinte Menina.
Jonathas Falcão (evadido de duas faculdades, uma de música e
outra de publicidade), vocalista, guitarrista e bandleader, disse que em breve
estarão chegando para morar no Sudeste.
O Paraíso do Norte é um pedaço perdido daquelas utopias dos festivais que já morreram pelo gigantismo e pela ambição. Ali, ainda são regras os conceitos de paz & amor & solidariedade & descompromisso & irmandade & colaboração. Micro, mas grande.
O Paraíso do Norte é um pedaço perdido daquelas utopias dos festivais que já morreram pelo gigantismo e pela ambição. Ali, ainda são regras os conceitos de paz & amor & solidariedade & descompromisso & irmandade & colaboração. Micro, mas grande.
2 comentários:
Jotabê, a canção "Eu queria me casar" e a declaração que você cita não são do Wander Wildner, mas do dono do Fatiado: https://noisey.vice.com/pt_br/article/43gjbb/wander-wildner-na-fatiado-discos
Muito triste pelo que aconteceu com o Wander, os shows dele eram os mais autênticos e autorais que assistia em SP. Desde do que ocorreu na Fatiado, Wander não fez mais shows em SP.
Postar um comentário