segunda-feira, 17 de julho de 2017

QUANDO AS BANDAS MORREM






De cima para baixo, as bandas Wander Wildner, Almirante Shiva e Seu Pereira e Coletivo 401

fotos de ANDRÉ DONADIO





Em maio, um aneurisma cerebral matou o baixista Pedro Souto, garoto de apenas 23 anos, da banda brasiliense Almirante Shiva. O grupo já tinha firmado um compromisso com o festival Paraíso do Rock no Paraná, então veio cumprir com sua palavra e tocar com um amigo no lugar do parceiro que morreu. Veio se despedir.

No sábado, no gigantesco galpão do CTG da pequena Paraíso do Norte, de apenas 13 mil habitantes, Almirante Shiva agigantou-se no palco. Um power trio de fundações pinkfloydianas e peso zeppeliniano, psicodelia com lápis nos olhos, visual de cartum do Robert Crumb, a banda fez a sua despedida com um show de puro transe, lisérgico, visionário.

Pouco antes do Almirante Shiva tocar, também Wander Wildner tocou com seu grupo, que incluía a baixista Georgia Branco (ex-Mercenárias) e a baterista Pitchu Ferraz (ex-Nervosa), duas instrumentistas saídas de bandas riot girrls.

Wander andou cabisbaixo depois de polêmica na qual se envolveu em 27 de maio no Fatiado Discos, um bar na Alfonso Bovero, no Sumaré, após citar no palco uma canção de 2007, Eu queria me casar, e ser acusado de machista e racista. Wander não tinha intenção de ofender, mas muita gente se ofendeu e ele acabou reconhecendo que a música, feita numa época em que não se debatia adequadamente as posturas de opressão de gênero, não é adequada.

“Essa letra me foi apresentada como transgressora (eu não era o letrista da banda). Violência de um personagem psicopata com estética de filme de terror. Essa era a desculpa da época. Pura idiotice, ridículo. Não sei como deixei isso passar. Realmente, não tem desculpas. Depois percebi que estávamos na verdade reforçando o padrão machista imposto pelo patriarcado, e que isso é na verdade a base desse 'sistemão' que vivemos. Então, não tem nada de transgressor aí. Definitivamente, não me orgulho disso, muito pelo contrário, morro de vergonha e de raiva de mim”. Novos tempos, novas posturas.

Mas o fato é que Wander ficou abatido com o tribunal do facebook, com os dedos apontados na cara, e acabou cancelando todos os shows da temporada. Por sorte, manteve o do Paraíso do Rock por amizade com o promotor, Beto Vizotto. O show foi extraordinário. Há um componente de expressionismo insano na performance de Wander, que é muito conhecido pelo seu pioneirismo no punk rock gaúcho com Os Replicantes, nos anos 1980.

Além da alta octanagem sonora de seu power trio, Wander está ficando melhor com o tempo, com a performance infatigável e a alienação charmosa de coadjuvante do filme Arizona Baby, dos irmãos Coen.

“Minha vontade é ser bonito, mas eu não consigo. Eu sempre volto atrás”, diz Wander, no Mantra das Possibilidades, talvez um dos clássicos mais inteligentes e com pegada de haicai de Paulo Leminski que exista no cancioneiro punk nacional.

Mas era uma noite de grandes surpresas no festival. Tão bons quanto Wander Wildner e Almirante Shiva, os paraibanos do Seu Pereira e Coletivo 401 instauraram um salão de baile no CTG, mas sem vanerão.

Com trompete e trombone no amálgama, Seu Pereira parece se alimentar das melhores tramas de Mundo Livre S/A, fundindo baião com funk, samba-rock com martelos agalopados, Criolo com Chico Science. É impossível resistir ao Seu Pereira. No meio de uma levada, ele enfia um dos mais famosos desafios dos repentistas nordestinos, Eu Quero Que Você me Diga o Nome de Vinte Menina.

Jonathas Falcão (evadido de duas faculdades, uma de música e outra de publicidade), vocalista, guitarrista e bandleader, disse que em breve estarão chegando para morar no Sudeste.

O Paraíso do Norte é um pedaço perdido daquelas utopias dos festivais que já morreram pelo gigantismo e pela ambição. Ali, ainda são regras os conceitos de paz & amor & solidariedade & descompromisso & irmandade & colaboração. Micro, mas grande.

Bem ali, no friozinho do Paraná, entre uma pale ale e uma costela na brasa, o cidadão que olhar apuradamente para o céu limpo vai enxergar bandas morrendo e bandas nascendo. Todas em explosões grandiosas que iluminam o céu durante muito tempo ainda.

2 comentários:

João Ribeiro disse...

Jotabê, a canção "Eu queria me casar" e a declaração que você cita não são do Wander Wildner, mas do dono do Fatiado: https://noisey.vice.com/pt_br/article/43gjbb/wander-wildner-na-fatiado-discos

Fausto Franca disse...

Muito triste pelo que aconteceu com o Wander, os shows dele eram os mais autênticos e autorais que assistia em SP. Desde do que ocorreu na Fatiado, Wander não fez mais shows em SP.