segunda-feira, 14 de agosto de 2017

MEU AMIGO MOYA




Eu, Sidney Gusman e o mestre Álvaro de Moya em 2009




Em 2012, como fazia costumeiramente, o Álvaro de Moya me procurou na redação. Tivera uma ideia para um artigo que queria publicar e me deu o artigo. Era sobre Marilyn Monroe. Eu nunca achei uma brecha para publicar, tinha que convencer editores e isso me desgastava sempre. Fiquei com o artigo. Moya nunca se chateou. Eu o conheci em 1987, quando cheguei a São Paulo. Como todo mundo sabe, ele era O amigo de Will Eisner. A Brasiliense estava lançando Contrato com Deus e traria Eisner a São Paulo, ele me disse. "Você não quer ir esperar ele comigo no aeroporto?". Fui, voltei com Will e Álvaro de carro até o hotel onde ele se hospedaria. Ele me deu o telefone de Jules Feiffer e me trouxe até a redação Jerry Robinson, o criador do Robin. E depois trouxe para almoçar conosco o maior de todos os meus ídolos dos quadrinhos, Ivo Milazzo. Thiago Queiroz fotografou o Milazzo no heliporto do edifício. Eu tomei chope com Ivo Milazzo no Astor, na Vila Madalena, e fiquei amigo dele. Ele me apresentou Howard Chaykin. Ah, e eu ia me esquecendo do argentino Quino e do italiano Serpieri, que ele trouxe de carro para me apresentar em uma padaria ou no café do Sesc Consolação.

Ele me convidava para participar das palestras onde ele, Moya, evidentemente, era a única estrela possível, porque era amigo de todo mundo. Mas ele gostava de mim, e eu dele.

Álvaro morreu hoje, após sofrer um AVC do qual eu nem tinha sido informado.

Sem saber mais o que dizer dessa lenda dos quadrinhos brasileiros, eu publico aqui o texto inédito dele sobre como conheceu Marilyn Monroe no tempo em que viveu nos Estados Unidos. Ele escreveu o artigo porque estava indignado com a indicação de Michelle Williams ao Oscar por sua atuação em Sete Dias com Marilyn. Ele chamou de "avacalhada academia".

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Em 1958, tive a sorte de conhecer Marilyn.

No elegante prédio no East Side, em Nova York, com direito a porteiro com roupa de
almirante, toquei a campainha do apartamento a fim de entrevistar Arthur Miller para a
imprensa brasileira.


Vozes femininas ouvidas me assaltaram de excitação... e se ela estiver aí? Abre-se a
porta e Marilyn Monroe está diante de mim! Sem gaguejar, apresento-me como o
repórter brasileiro que veio entrevistar Mr. Arthur Miller. Ela me faz entrar na ante-sala.
Uma senhora está numa pequena sala à direita, um mini escritório. Cumprimenta-me.

Mas nada disso me interessa, ela está na minha frente. Muito mais linda do que no
cinema. Os cabelos estão livres de laquês. O rosto, sem maquiagem é totalmente pálido,
lembra-me uma criança, cheia de talco. Tem um pulôver grande bege claro, calças de
corduroy marron e descalça naquele enorme apartamento com uma grande sala de
visitas em frente e tudo com carpete branco alto e felpudo. Mas o que chama a atenção é
a aura dela. Tinha estreado sua própria produtora, e terminado seu contrato com a Fox.

Ela declarava sempre em alto e bom tom que ¨dava¨ para qualquer um, menos para
Darryl Zanuck, o ditador da major. E tinha se casado com um dos mais respeitados
intelectuais americanos, em vias de ser preso pelas autoridades por ter se recusado a ser
delator no Senado, durante a comissão de atividades anti-americanas. Ela estava feliz
como nunca.


Chega o grande dramaturgo: é muito alto, ela, descalça, parece mais baixa ainda. Sigo
os dois para um outro escritório maior. Ele se senta na escrivaninha, eu diante dele,
Marilyn, antes de fechar a porta às minhas costas, lembra o marido que tem aquele
outro compromisso. Ele me pergunta quanto tempo eu preciso para entrevistá-lo:
quarenta minutos. Ela sai. Exatamente quarenta minutos depois ela abre a porta e
anuncia que eles já chegaram. Eu me levanto. O escritor me manda sentar de novo e
pergunta se estou satisfeito. Digo que sim.


Ele me acompanha até a porta de saída. Falo que, se soubesse que ela estava aqui, teria
trazido minha máquina fotográfica. Ele diz que não permitiria, pois meu pedido era
apenas para entrevistar a ele. Recolhi-me em minha humilde insignificância pois
esquecera que os americanos são assim. Pedi, então fotos dos dois para ilustrar a
matéria. Ele me deixou no hall e entrou na salinha com a senhora e começou a
selecionar as fotos. Lá no sofá, dois homens engravatados estavam com a estrela.


Quando ela me viu na porta, em pé, veio fazer sala em gesto de notável atenção.
Aí, resolvi atacar. Nada de abraços e beijos, fanzoca! Revelei que fazia parte de
um grupo de jornalistas críticos de cinema que seguiram sua carreira desde os primeiros
filmes. Disse que vimos  All About Eve, Love Nest, Love Happy e até Girl of the
Chorus, todos filmes em que ela tinha pequena participação. Ela se surpreendeu. Vocês
viram tudo isso? Sim, e notamos sua personalidade forte desde as primeiras aparições
em Hollywood. Comentei que o único filme dela que não vira foi The Prince and the
Showgirl, primeira produção dela. Ela disse que o filme não foi bem sucedido.


Faço um parêntesis para citar uma coletiva de imprensa quando ela anunciou sua
produtora. 
(Disse aos repórteres que gostaria de fazer a personagem Grushenka, no romance Os Irmãos Karamazov, de Fiodor Dostoievsky. Os jornalistas americanos regorgitaram: a loira burra de Hollywood falando do grande escritor russo? Ela, com aquela candura, fingindo ser a loira burra da Meca do Cinema, declarou: alguém aqui já leu Dostoievsky? Silêncio. Nenhum dos jornalistas norte-americanos tinha lido um livro

sequer do autor. Depois de um tempo, Marilyn declarou que tinha lido e achava que
poderia ser Grushenka. Uma lição não aprendida pela mídia. Esta procurou Billy Wilder,
que confirmou com seu grande senso de humor e mordacidade: claro, Hollywood vai
filmar Os Irmãos Karamazov, depois The Return of the Karamazov Brothers, em
seguida, The Karamazov Brothers Rides Again e of course, Abbot and Costello meets
The Karamazov Brothers! A MGM filmou o romance, devidamente vulgarizado na
Fábrica de Sonhos, e colocou Maria Schell no papel da heroína russa!.


Naquele inesquecível momento de minha vida, na ante-sala, diante de Marilyn, disse
que achava seu melhor filme até agora
O Pecado Mora ao Lado/Seven Years Itch. Ela
achou uma coincidência. Esse filme foi dirigido por Billy Wilder, o mesmo que fará seu
próximo filme, que será produzido – e apontou para a sala – pelos Mirisch Brothers. Eu
me espantei de ver aqueles produtores famosos engravatados à procura da estrela.

Marilyn me disse que o título da película seria Some Like it Hot. Perguntei o que
significava isso e explicou: hoje é cool jazz. Mas outros preferem hot jazz, seria uma
comédia com gangsteres nos roaring twenties. Nós não sabíamos que
Quanto mais
Quente Melhor viria a ser uma das maiores comédias já feitas pelo cinema. Concluí
nosso encontro, declarando que a nossa turma do Brasil seguidora cinema (Rubem
Biáfora, crítico de O Estado, Walter George Durst, José Júlio Spiewack, Syllas Roberg),
achava que ela não era uma estrela e sim uma atriz. Ela agradeceu, de verdade. Arthur
Miller chegou com as fotos e acabou com minha alegria.


Desci para a rua e na Quinta Avenida, me senti um Gene Kelly, um Fred Astaire sem
talento, apenas imitei Li’l Abner, o Ferdinando, e saltei, batendo os calcanhares no ar.
No dia seguinte, na CBS Television, onde estava estagiando, os colegas
reclamavam: esse brasileiro vem aqui, toca a campainha e a Marilyn Monroe abre a porta para ele?



Álvaro de Moya


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