10 PONTOS QUE RESUMEM O QUE VAI SER DA CULTURA APÓS FUSÃO DO
MINC COM O MEC
Há dois pernambucanos em evidência na cultura nacional no
momento. Ambos têm o mesmo nome: Mendonça Filho. O primeiro se evidencia por
mérito próprio: Kleber Mendonça Filho levou o cinema do Brasil de volta à
mostra competitiva de Cannes após 8 anos com o filme Aquarius. O segundo,
Mendonça Filho, deputado do DEM, foi um mastim do impeachment a quem coube a
tarefa de encaixotar as ruínas do recém-extinto Ministério da Cultura do
Brasil.
Provavelmente, o segundo Mendonça Filho não tem a mais
remota noção da qualidade do cinema que seu xará e conterrâneo faz: é de Kleber
o extraordinário filme O Som ao Redor, de 2012, apontado pelo jornal The New
York Times como um dos 10 melhores feitos naquele ano em todo o mundo. Seu novo
filme, no qual o Estado brasileiro investiu R$ 2,9 milhões, reabilita um símbolo da arte nacional, uma atriz que mostrou a
abrangência do esperanto da cultura: Sonia Braga. O impacto de seu trabalho vai além do seu tempo e é um dos mais inteligentes retratos de seu País. É um Mendonção.
Mendonça Filho, o ministro interino da Educação e da Cultura,
chamado de "Pinóquio" pelo adversário Eduardo Campos em 2006, é chamado de Mendoncinha. Não tem
como listar um único feito razoável na área cultural. Também não tem produção
intelectual. Doberman ideológico, não se sabe de algum momento em sua
trajetória em que tenha externado afetos culturais. Será esse notável da
política que deverá aglutinar o que restou da Cultura.
Um resumo básico do que imagino que deverá marcar a passagem desse grupo
pela área.
1. Hipertrofia da Lei Rouanet - Como se sabe, a Lei Rouanet
está em pleno vigor, apesar de não ter quem a opere. É provável que o governo
interino, instado por apoiadores do processo de impeachment na área da cultura,
reduza a zero o orçamento direto e deixe nas costas dessa legislação (e até a
encha de mais dinheiro para tanto) o estímulo às artes. É uma estratégia de
lavar as mãos - o negócio caminha sozinho, mas tem que ver se Mendonça Filho sabe
o que é o Mecenato, a engrenagem que gere o sistema. O projeto de lei que substitui
a Lei Rouanet, fruto de 10 anos de debates, o Procultura, que jaz no Senado
Federal à espera de aprovação, deverá mofar por lá até o próximo debate
eleitoral.
2. Censura - Uma gestão que começa com um blecaute na área cultural, negação total da existência, é porque decididamente não admite dissenso. O que pode conduzir a um tipo de
macarthismo sub-reptício nas ações do ministério, que tenderá a
"limar" de suas prioridades projetos de artistas que mantenham
posição crítica sobre o governo, e abraçar aqueles que se dispuserem a
apoiá-lo. Isso poderá descambar em medidas de censura prévia em espetáculos,
caso o cabo de força recrudesça.
3. Direitos Autorais - Haverá uma megablitz no Congresso
pela anulação, ou reedição, de portarias e decretos que se converteram
recentemente em tentativas de se regular com princípios republicanos a área de gestão
coletiva de direitos autorais no chamado ambiente digital (a internet). O velho
Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais (Ecad)
volta a ter interlocução no ministério. Maioria fisiológica no Congresso deverá
editar casuísmos no setor em regime de urgência.
4. Apadrinhamento - Voltam à preferência da ação palaciana
aqueles artistas que vendem obras de arte diretamente para gabinetes e coleções
privadas do primeiro escalão, ou que frequentam os jantares da nova corte. Pelo
perfil da nova ordem, decoradores e figurativistas terão preferência. Daqui por
diante, a presença física do ministro Mendoncinha em atividades culturais será
resumida à entrega da Ordem do Mérito Cultural (se ela for entregue) e aos rapapés
em camarotes de autoridades em estreias de óperas e espetáculos fechados.
5. Editais nunca mais - Funarte e outras instituições
coligadas do MinC podem esquecer: os editais cujos valores já foram empenhados
ainda podem sair, mas novos editais não têm horizonte para serem apresentados
(e nem ambiente para prosperar). A área do teatro, tradicionalmente mais
engajada e organizada em associações como a Cooperativa Paulista de Teatro,
deverá sofrer mais no período.
6. Onguismo e Midia-livrismo - Não haverá mais seminários, ocupações
culturais, representação interna no MinC de instituições como Ongs culturais e debates
acerca da ampliação de instituições (como a proposta de criação da Agência
Nacional de Música). Editais para apoio a sites de informação alternativa,
acabam. Os Pontos de Cultura, que receberam uma espécie de anistia de Juca
Ferreira em seu último ato, minguarão até a desaparição total. Mas pelo perfil do
novo ministro, grupos editoriais mastodôndicos em situação complicada podem
esperar algumas linhas de financiamento inéditas e generosas.
7. Identidade e intelectualidade - Os embates intelectuais
sobre a identidade nacional, a natureza da cultura brasileira, do seu legado e
da amplitude de sua influência em fenômenos sociais e políticos? Esqueçam. As
canjas de Gilberto Gil com Kofi Annan e as tabelinhas com pensadores da
contemporaneidade, de David Lapoujade a Daniel Cohn-Bendit, tornar-se-ão apenas
vídeos antigos de um período ancestral. Nada de reflexão no período, isso é
"perfumaria", na visão do grupo no poder.
8. Audiovisual - Apesar do aparato legislativo próprio que
lhe confere independência (Ancine e Lei do Audiovisual), o setor audiovisual é
tradicionalmente muito independente - vide a manifestação, em plena Rede Globo,
da cineasta Anna Muylaert sobre responsabilidade social. Isso a torna também
alvo. Seu presidente é Manoel Rangel, de esquerda, e seu corpo de diretores é
fruto de uma queda de braço periódica entre as diferentes correntes do cinema.
Poderá se converter em uma ilha de resistência ou em um arquipélago Gulag da
cultura.
9. Empoderamento -
Expressão será banida do vocabulário do governo interino. Secretarias de
Diversidade, secretarias étnicas, índios, LGBT, afirmação de qualquer espécie:
tudo fora do governo, fora do MinC, porquanto alvo preferencial da coalização
evangélica que dá sustentação a esse regime.
10. Latinidade - Os acordos internacionais com os países
vizinhos, que resultaram em editais conjuntos, em co-produções cinematográficas
e prêmios literários conjuntos, tudo isso vai para as cucuias. Adeus aos
portunhol selvage, ele volta a ser língua pátria da Mercearia São Pedro.
E por enquanto, no ramo das previsões óbvias, era isso o que
tínhamos para o momento. Voltaremos a qualquer momento com a confirmação desses
votos de insensibilidade e obscurantismo que abrem a nova era.
Um comentário:
Rapaz, vou nem falar do financiamento dos filmes, que, como projeto, pode encadernar e distribuir como exemplo de política pública bem sucedida. O que me deixou impressionado foi saber que Kleber ganha apenas 3.800 conto pelo trabalho na Fundaj. O cinema que ele (e equipe, lógico, mas muito ele) contruiu ali... Quero uma lista só do que foi exibido nos últimos 15 anos, é uma coisa monstruosa. Valendo quanto que o Mendoncinha não sabe chegar lá?
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