Nenhuma exposição em curso no momento me causou tanta
alegria quanto o universo de gravetos desnivelados do artista sergipano Véio, em exposição
no Itaú Cultural.
A impressão inicial com as peças em exposição no centro cultural, na Avenida Paulista, é que não parecem guardar
demasiado esforço, intrincada construção ou calculada engenharia. Quase não
sentimos o suor do seu artífice nelas, é como se brotassem do nada.
O efeito da obra de arte guarda grande relação com o
repertório cultural do seu espectador.
Umberto Eco já dizia que uma obra impacta mais ou menos o
observador de acordo com as expectativas deste, de seu universo cotidiano, de sua
familiaridade com certos objetos, técnicas e estratégias.
Nas artes visuais, educados
para nos enternecermos com a chave da abstração ou para atingirmos o grau máximo de
satisfação com a habilidade figurativa do pintor descomunal, é desconcertante
quando o que se posta à nossa frente é uma peça que se vale de tudo, mas não
é feita para nós, é exclusiva de seu próprio escultor.
Véio independe de repertórios e de impacto, ele já definiu o
valor de seu trabalho para si mesmo antes que o tenhamos capturado. A impressão
que nos passa é de que o material só está ali em exposição porque o artista foi
sequestrado para tal pelos caçadores de valor. A arte que produz é suficiente
para Véio - tanto que ele construiu um museu só para si, para abrigar seu
trabalho lá na chácara onde vive, no seu sítio no sertão de Sergipe, no
município de Fonte Nova.
A arte de Basquiat, por exemplo, encontra sua força no afrontamento
das expectativas e dos repertórios. Tem carga histórica, estabelece diálogos
temporais, tem pesquisa. Véio busca apenas materializar sua imaginação. Sim, não é raro que
tenha um componente daquela arte rupestre das cavernas, como na mínima
escultura Liuliu. Animais e demônios, mulheres de pés invertidos montadas em bichos e corujas que
parecem padres: são visões embaralhadas com elaborações.
Seu trabalho é um tipo de ready made. Véio resgata do sertão
galhos de árvores desprezadas e enxerga neles significado. Na maior parte das vezes,
entretanto, esse significado é desequilibrado, teratológico, contrário à
orientação quase sempre realista do artista popular tradicional. Podem ser
peças de 2 metros e de 20 centímetros. Sua pesquisa está no domínio do mistério, um encanto que seduz instantaneamente.
O nome real do Véio é
Cicero Alves dos Santos. O apelido se deu porque ele, quando criança, ficava
ouvindo sempre o que as pessoas mais velhas falavam interessadamente. Virou
Véio, nos fez crianças.
2 comentários:
Mestre, uma correção: o s´tio de Véio fica no município de Nossa Senhora da Glória, Sergipe.
Corrigindo minha correção: parece que é em Feira Nova mesmo. É que ele é sempre citado como um artista de Glória, mas parece que mora no município vizinho - não sabia.
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