Tinha o cabelo, um conjunto de tufos acajus já mais pro
amarelo, penteado ao meio. Corrente de ouro no pulso e outra no peito. Imaginei
que possuísse um pente Flexa Carioca no bolso traseiro da calça, essa talvez de
tergal.
Subia a serra com seu Monza.
Emparelhei duas vezes com ele pq o meu Ford Ka também não
imprimia velocidade suficiente ao atrito do asfalto.
Camisa de voil. Havia um macaquinho mug de pelúcia balançando
no retrovisor. A patroa ia sentada no banco do passageiro sem pronunciar
palavra.
Pensei aqui com meus botões que aquele era um tipo de homem
em franco processo de extinção. Quis fotografá-lo, talvez acenar, mas desisti.
Com grande esforço, esses homens se habituaram ao WhatsApp
no celular, ao caixa eletrônico, ao pedágio Sem Parar, ao aplicativo de Zona
Azul, à propaganda e aos fogos de artifício virtuais do futebol na TV. Mas eu sinceramente os vejo em franca desaparição. Não terão saco para a realidade virtual da Magic
Leap.
Em Curitiba, meu chefe no departamento de pessoal da
construtora, em 1980, tinha letra bonita e língua presa. Ele pagava a quadra de
futebol society com cheque e ia embora de calção Adidas de índio com a capanga
de couro sob o braço, sempre me lembro disso. Nunca suava a camisa do jogo. Todos
éramos como filhos para ele, o paternalismo o projetava como uma autoridade
natural.
Conheci esses homens em seu auge, nos anos 1970. Trabalhei
para um relojoeiro e um contador que chegavam ao trabalho com capangas de couro
sob o braço. Tomavam drinques de Vermute no bar, sempre sozinhos. Conservadores
e de poucos sorrisos, tinham o carro como o centro de sua vida social. Passaram
dos fuscas para o Corcel, depois os Chevettes e os Opalas Comodoro e os Monzas.
Boa parte deles parou por aí, como se tivesse chegado a um processo de
criogenização do status - aquele que subia a Serra do Mar era um desses.
Laudelino, que jogava bola conosco em 1979 e chamava a si
mesmo de “Kempes” quando fazia algum gol, será que ainda está lá no Noroeste do
Paraná?
Evandro Mesquita, em A Grande Família, me lembrava muito daqueles
caras - provavelmente porque o próprio Evandro é mesmo um deles. Agostinho (Pedro Cardoso), certamente tinha muito deles, mas como era demasiadamente produzido pelas figurinistas, nem sempre tinha credibilidade. Javier
Bardem no filme dos Irmãos Coen, Onde os Fracos Não Têm Vez, tinha um
componente muito evidente desses caras que encontro menos hoje em dia.
Eu vejo o Tite comemorando gol com calça skinny e sei que não
é ele quem está naquelas pernas comprimidas dentro das calças. Vejo o Renato
Gaúcho de gravata e camisa para fora das calças e sei o que aconteceu. Ele
mesmo contou o que aconteceu: a filha. “Nunca mais vou repetir isso”, jurou. São as
filhas do Dunga tentando embalar todos esses homens de um tempo perdido em
papel vegetal.
Se você chegou até aqui esperando pelo desfecho, esqueça: essa
divagação não tem nenhum propósito. A extinção tem um escalonamento inevitável
e minha geração de camiseta branca da Hering já está fazendo fila. Mas o bacana mesmo é esse período em que
ficamos habitando um limbo, como os degredados da Zona Fantasma de Krypton.
Um comentário:
Lindo texto, melancólico como o esguicho de água lavando o carro num sábado à tarde.
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