Como obsessivo jazzista que é, Woody Allen trabalha no
cinema várias vezes o mesmo fraseado de clarineta, com possibilidades infinitas.
Assim, o desmanche progressivo de Ginny (Kate Winslet) em
Roda Gigante, seu novo filme, remete diretamente ao derretimento nervoso de Cate
Blanchett em Blue Jasmine.
Carolina (Juno Temple), a ex-mulher de gângster que é uma
verdadeira lótus florescida na lama, é uma variação sobre o tema de Mira
Sorvino em Poderosa Afrodite, a prostituta ética e pura.
“Então somos nós mesmos que decidimos nossas tragédias?”,
pergunta Ginny ao guarda-vidas Mickey (Justin Timberlake). Não, há também outros
fatores comandando, como o destino, responde Mickey.
É nessa questão que se equilibra Roda Gigante (Wonder Wheel) - o quanto
arbitramos de nosso em uma vida operosa, modesta, sequestrada pela louça suja,
pelo peixe a ser frito antes de apodrecer, pelo hábito de ver o futebol da Taça São Paulo, de rir sempre
das mesmas piadas.
A tragédia ronda o parque de diversões de Coney Island, em
algum ponto dos anos 1950. A praia cheia, o boné antigo do bilheteiro, os maiôs, os marines. Em dado momento, o freak show do parque de diversões
de Woody até me lembrou Diomedes, de Lourenço Mutarelli.
O garoto piromaníaco, filho de Ginny: é impossível deixar de
amar o garoto incendiário que taca fogo na escola, no condomínio e até na psicanálise. E o jeito carinhoso como Humpty (Jim Belushi) acaricia
as notas de um dólar na caixinha do seu carrossel. E o olhar turvo de Mickey ao
se dar conta de sua própria tragédia - ao final, o guarda-vidas que ama Eugene
O’Neill perde as duas vidas que lhe são efetivamente confiadas.
Eu amei o filme. Sei que Woody Allen sempre vai preferir
ragtime, jazz da primeira metade do século 20 na sua trilha fascinante. Mas eu
teria mudado uma coisinha: eu teria terminado o filme com Coney Island Baby, de
Lou Reed. Não teria a menor dúvida:
Nenhum comentário:
Postar um comentário