quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

CONEY ISLAND BABY







Como obsessivo jazzista que é, Woody Allen trabalha no cinema várias vezes o mesmo fraseado de clarineta, com possibilidades infinitas.

Assim, o desmanche progressivo de Ginny (Kate Winslet) em Roda Gigante, seu novo filme, remete diretamente ao derretimento nervoso de Cate Blanchett em Blue Jasmine.

Carolina (Juno Temple), a ex-mulher de gângster que é uma verdadeira lótus florescida na lama, é uma variação sobre o tema de Mira Sorvino em Poderosa Afrodite, a prostituta ética e pura.

“Então somos nós mesmos que decidimos nossas tragédias?”, pergunta Ginny ao guarda-vidas Mickey (Justin Timberlake). Não, há também outros fatores comandando, como o destino, responde Mickey.

É nessa questão que se equilibra Roda Gigante (Wonder Wheel) - o quanto arbitramos de nosso em uma vida operosa, modesta, sequestrada pela louça suja, pelo peixe a ser frito antes de apodrecer, pelo hábito de ver o futebol da Taça São Paulo, de rir sempre das mesmas piadas.

A tragédia ronda o parque de diversões de Coney Island, em algum ponto dos anos 1950. A praia cheia, o boné antigo do bilheteiro, os maiôs, os marines. Em dado momento, o freak show do parque de diversões de Woody até me lembrou Diomedes, de Lourenço Mutarelli.

O garoto piromaníaco, filho de Ginny: é impossível deixar de amar o garoto incendiário que taca fogo na escola, no condomínio e até na psicanálise. E o jeito carinhoso como Humpty (Jim Belushi) acaricia as notas de um dólar na caixinha do seu carrossel. E o olhar turvo de Mickey ao se dar conta de sua própria tragédia - ao final, o guarda-vidas que ama Eugene O’Neill perde as duas vidas que lhe são efetivamente confiadas.

Eu amei o filme. Sei que Woody Allen sempre vai preferir ragtime, jazz da primeira metade do século 20 na sua trilha fascinante. Mas eu teria mudado uma coisinha: eu teria terminado o filme com Coney Island Baby, de Lou Reed. Não teria a menor dúvida:




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