Um papo por Skype com Totó la Momposina, a Rainha da Cumbia da Colômbia, que chega em outubro ao País com todo seu grupo
Totó La Momposina ajeita a boina de crochê para cá, ajeita
para lá, e dá sonoras gargalhadas com as perguntas mais ingênuas. Aos 76 anos,
a Rainha da Cumbia, uma das grandes influências da música latino-americana que pouco
conhecemos, vem ao Brasil em outubro para o MIMO (Mostra Internacional de
Música de Olinda). Ela considera que é sua estreia no País, porque a única vez
em que esteve aqui foi com uma trupe gigante, muita gente, e foi “como se
estivesse a passeio”.
Totó pertence à quarta geração de uma família dedicada à
música da ilha de Mompóx, próxima ao rio Magdalena, na Colômbia (a 248 km de
Cartagena de Indias, a porteira do Caribe colombiano). Ali surgiu a cumbia, que
se espraiou por quase todo o continente - surgiram depois, com características
distintas, a venezuelana, a uruguaia, a salvadorenha, a chilena, a equatoriana,
a mexicana, a peruana, a argentina, entre outras.
Mompóx deriva de Mompoj, nome do cacique da tribo Malibu que
governou 50 povos naquela região, terra que foi alvo de piratas e da cobiça dos
estrangeiros durante sua época colonial. A música de Totó reflete essa
diversidade de interesses: combinação de elementos indígenas e africanos, ritmo,
enaltecimento da comunhão com a natureza.
Totó (cujo nome real é Sonia Bazanta Vides) é o avesso da
artista folclórica tradicional. Formou-se em História da Arte e da Música pela
Sorbonne, em Paris. Ali, ela se lembra de ter visto alguns concertos de
Mercedes Sosa. “Ela já era uma senhora, mas eu ia aos shows dela sempre que
tinha. Ela falava do cotidiano, da memória. A música que faz um povo não está
condicionada às regras do marketing”, acentua.
Totó parece ter o peso de um Caymmi para a música caribenha.
“O pescador fala com a Lua, fala com a praia”, canta ela, em El Pescador, com
certo peso sessentista na percussão, familiar para quem ouvia o som “poncho e
conga” da época. “A cumbia é um ritmo ancestral que, em suas origens, tinha a
flauta de caña de millo (bambu), gaitas indígenas horizontais características,
percussão autóctone. A mistura da música dos escravos negros e dos indígenas é
que gestou a cumbia. E havia os bailes, as danças dos índios. Eles se comunicavam
com a dança”, ela diz, em entrevista por Skype. E o elemento feminino sempre
foi fundamental, explica Totó. “Os
bailes cantados eram animados pelas cantoras, que também eram as que curavam as
crianças, faziam o fumo, colhiam o algodão e o arroz”.
Totó la Momposina vem com todo seu grupo ao Brasil, com 14
integrantes. “Não se pode tocar a verdadeira cumbia do Caribe sem todos os
instrumentos de sopro, toda a percussão”, argumenta. Ela conhece, curiosamente, a nova guarda da
música brasileira. Fez uma turnê de três meses com a participação de Belô
Veloso, e também conheceu Maria Rita.
“Não existe a política sem as artes. As artes são a
fortaleza da sociedade. Os romanos, os pretorianos, já tinham os discursos do cônsul
Cícero, que defendia as pessoas com as palavras. A música é algo que vem de
Deus. Todas as inspirações e os elementos que constituem as artes fazem com que
construamos o País que sonhamos. O poder da música no cotidiano é enorme.
Quando é uma música verdadeira que sai da canção, sem marketing, é possível
mudar o destino. Mas a política tradicional se deixa com os políticos. A arte
não tem fronteiras”, ela diz, falando sobre o atual momento político do
continente.
“Estive cantando no Chile em plena ditadura, e era um
ambiente tenso. Cantamos em todos os lugares, e fomos ao estádio onde
executavam adversários políticos. A música, nessa época, tinha a função de
manter a esperança acesa. Ela continua sendo depositária de esperanças”, diz a
cantora.
“A tecnologia é boa, mas é preciso manter vivo o orgânico, o
artesanato. A música é algo ancestral. Suponhamos que haja uma catástrofe e a
eletrônica deixe de funcionar. Quem vai tocar? Quem vai fazer os móveis? A
comida? Quem vai buscar madeira nos bosques? A música é para a gente um
trabalho de carpintaria, é a criação humana, a verdade. Como as fábulas dos
irmãos Grimm, que atingem o mundo inteiro”, ela analisa.
Pela primeira vez,
o festival MIMO se internacionaliza (depois do Rock in Rio, é o segunda mostra
brasileira a se internacionalizar). A partir de amanhã, ocupa a cidade de
Amarante, em Portugal, com as seguintes atrações, além de Totó La Momposina:
Tom Zé e Vieux Farka Touré, Pat Metheny e Ron Carter e outros.
O calendário MIMO
inclui quatro festivais e três circuitos (edições em menor formato). São eles:
o MIMO Festival Amarante, Portugal (15 a 17 de julho), Circuito MIMO Tiradentes
(7 e 8 de outubro), Circuito MIMO Ouro Preto (8 e 9 de outubro), MIMO Festival Paraty
(14 a 16 de outubro), MIMO Festival Rio de Janeiro (11 a 13 de novembro), MIMO
Festival Olinda (18 a 20 de novembro).
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