Um amigo me pergunta, em tom de
sarro, quem será o ministro da Cultura do Temer. Eu respondo: "Não faz a
menor diferença, porque será ilegítimo".
Não fará diferença se for o Frota ou
o Raduan (perdão, Raduan).
Explico: um setor que é
tradicionalmente mais crítico com a administração pública é o cultural. Pode-se
admitir uma partilha do Ministério da Fazenda entre "o mercado
financeiro" e "desenvolvimentistas" ou coisa que o valha. Não
haverá grita, exceto no colunismo. Pode-se alternar político de carreira ou
algum aliado de ocasião no Ministério da Educação. Não haverá grita nas
universidades federais, e se houver será apenas de parte dos estudantes. O
sistema político brasileiro impôs essa silenciosa anuência para com acordos
absurdos.
O MinC, nessa paisagem, tem sido um
dos que fazem da democracia participativa mais que uma teoria: sua comunidade impõe agendas,
assume projetos em co-autoria, envolve, faz exigências. Escolhe e derruba
ministros conforme o seu desempenho. A partir da gestão Weffort (cubro a área desde
o secretário Luiz Roberto Nascimento Silva), o MinC passou a absorver em sua esfera de
poder das organizações da cultura de elite banqueira aos coletivos como o Fora
do Eixo, do teatro de vanguarda à indústria dos musicais. Desenvolveu um
know-how único de participação.
Desconfio que um ministro que não tenha a
legitimidade do debate pré-eleitoral nunca será recebido como tal pelo meio
artístico. E esse debate costuma ser decisivo naqueles momentos de acirramento
de campanhas. O mundo artístico aceita divisões - já vimos Caetano de um lado e
Chico de outro e foi elegantérrimo. Aceita rusgas, tretas, indelicadezas. Mas
um usurpador nunca será aceito. O ministro biônico que porventura aceitar essa
incumbência terá que viver como um pária, administrando a partir de uma
cápsula, um casulo de autoridade. Nunca desfrutará de prestígio ou
receptividade entre os diferentes setores - mesmo os menos politizados. Nem em momentos de grande acerto poderá dizer, como o Seu Boneco, "aí eu vou pra galera!".
O MinC é um dos menores orçamentos da
União, mas desfruta de grande carinho entre os artistas. Podem eventualmente
detestar o ministro, mas sentem-se tutores daquele ministério, tratam-no com
suave deferência. Sabem que podem influir no seu destino, mesmo de fora. Há
estruturas coligadas do MinC que se profissionalizaram muito nos últimos anos, como o
Iphan e o Ibram. Quem zela pela tecnicalidade dessas estruturas são seus
próprios funcionários, de um modo geral.
Dessa vez, não se trata de escolher um nome de consenso, ou um notável, ou um diplomata do ritmo. Por isso, a ideia da extinção do MinC
num hipotético governo Temer me soa tão mais plausível - não haverá trégua para
um usurpador, então será meio óbvio que acabar logo com essa faixa de mediação
social será o mais prudente a se fazer. Minha previsão, em caso de êxito desse golpe de Estado, é que não haverá mais MinC nem projeto cultural, apenas um gap
do tamanho de um governo Collor. Ou maior, pelo tamanho da fissura.
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