Fito Páez em ato anti-Macri no parque Saavedra
ROCK REAÇA
VERSUS ROCK PETRALLA
Situação política faz rivalidade entre Brasil e Argentina ir
se encaminhando também para o território do rock'n'roll - e parece que los
hermanos estão melhor nisso também
No princípio, só o futebol e as praias de Santa Catarina nos
separavam. Maradona X Pelé, Messi X Neymar, Boca X Corinthians: o bate-boca
estava concentrado nos estádios e nos cafés de Bombinhas. Nos últimos meses, no
entanto, acentuou-se uma espécie de rivalidade nova entre Argentina e Brasil: a
ideologia do rock.
No Brasil, até sertanejo concorda, o rock anda entoando com
mais ganas que qualquer outro gênero o cântico "direita, avante!" nas ruas e nas redes sociais.
Na Argentina, em contrapartida, volta à baila o rock de esquerda, identificado
com as lutas e as causas populares. Nessa toada, parecia natural que um
acabasse trombando com o outro.
"Fito Paez sempre foi um bosta", exclamou o
brasileiro Roger Rocha Moreira, do Ultraje, após o músico argentino colocar mais
de 5 mil pessoas na praça Saavedra, em Buenos Aires, em fevereiro, em ato contra
o governo de Mauricio Macri, na Argentina - gestor de escopo de direita que
sucedeu ao governo de esquerda de Cristina Kirchner. Fito não poupa críticas ao
governo de Macri, que chama de "caudilho anacrônico", e não quis
responder à provocação do brasileiro.
Mas o que Roger tem a ver com as iniciativas políticas da
Argentina? Aqui, Roger (e outros velhos roqueiros, como Lobão e Léo Jaime) faz oposição
a um governo que muitos identificam como de esquerda, principalmente por causa da variedade de
programas sociais. Os velhos roqueiros organizam manifestações, vão ao Supremo
Tribunal Federal para fazer lobby, assumem colunas em publicações
conservadoras. Com todo esse envolvimento, parecem considerar que sua
"missão" tornou-se universal.
Sua militância é tão encardida que até o colega Dinho Ouro
Preto (que tranquilamente seria enfileirado entre os direitistas até meses
atrás), exclamou, na semana passada: "É meio assustador ver todo o rock
ficar de direita". Dinho não deu nomes aos bois, mas notadamente os
colegas militantes mais exaltados no lado da direita são Lobão e Roger. Alguns
desembarcaram dessa onda nos últimos tempos, como Tico Santa Cruz, dos
Detonautas.
O extremismo político acaba causando, lá e cá, reações
extremadas também. O Ultraje foi duramente vaiado durante abertura do concerto
dos Rolling Stones, no Maracanã, no último dia 20 de fevereiro. Sem plateia,
sob chuva, o vocalista foi chamado de "coxinha", perdeu a esportiva e
brigou com a plateia. "Vocês vão cair", berrou. "Coxinha é a mãe
de vocês!".
A identificação da música brasileira com bandeiras de
extrema direita (muitas das manifestações das quais os novos direitistas
participam têm ex-torturadores e arautos da intervenção militar em suas
fileiras) já chega às raias da comédia. Daí, não foi surpresa o sucesso instantâneo
da nova sátira de Marcelo Adnet, Chico Buarque de Orlando, que já ultrapassa 2
milhões de visualizações, tornando-se no momento o vídeo mais visto do
Facebook. "Abraço pro Lobão, adeus!", brinca Adnet. Foi um belo sarro
no comportamento da nova direita, e o melhor: aprovado pelo próprio Chico, que
achou "muita graça" na paródia.
Em Buenos Aires, Fito Paez é atacado por sua simpatia e fidelidade ao
regime kirchnerista. No ato em Saavedra, os artistas e o público cantavam:
"Macri basura, vos sos la dictadura" (Macri, lixo, você é a ditadura).
O ator Pablo Echarri vaticinava: "Não chega a um ano de mandato". A
adesão da classe artística argentina a essa tese cresce a olhos vistos,
conforme vão se acumulando os atos considerados antidemocráticos do atual
presidente - um dos que mais desagradou os roqueiros foi o fechamento dos
programas de rock da Rádio Nacional pelo governo.
Outro roqueiro histórico que já rompeu com o governo Macri
foi Charly García, que divulgou uma carta aberta criticando atos do novo
presidente. E desabafou: "Não contem comigo, ignorantes. Sinto que a luta
foi em vão". A imprensa acompanha essa queda de braço com viés governista,
de forma inversa à do Brasil, e "descobriu", na semana passada, que
filhos de Macri e Fito vão à mesma escola.
Outra diferença entre lá e cá é que, enquanto aqui
são só veteranos no front direitoso, na Argentina muitos grupos novos surgem já
identificados com essa proposição renovada de esquerda, caso do trio punk Los
Culos (Os Cus), cujo single de trabalho, Dinosaurios, remete diretamente ao
pelotão político da direita. "Todos pensavam que estavam extintos/Porém
estão de volta/Eles vêm pisando forte/Querem levar-nos para a
pré-história". Ouça aqui: https://losculos.bandcamp.com/releases
Em entrevista por email, o baixista Beri, o
guitarrista Matto e o baterista Ale Gonzalez definem em qual espectro militam: "Los Culos é composta de três pessoas
com diferentes pensamentos políticos, porém na hora de falar de igualdade
social, de direitos humanos e liberdade de expressão, todos temos uma
inclinação de esquerda, porque somos conscientes que à frente de nossas
preferências, ou se está a favor da direita liberal ou se está contra. E nós a
detestamos".
Los Culos não
são pessimistas, apesar da pancadaria sonora. Consideram que, além da mudança
de governo, em geral há uma consciência coletiva importante sobre o passado
recente da Argentina, e isso faz com que, em cada 24 de março, mais gente vá à
mobilização na Praça de Mayo, em defesa da memória, reconhecimento, amor e
respeito à luta dos filhos, mães e avós da praça. "Há um setor da
sociedade que deprecia os organismos de direitos humanos e organizações
sociais, porém eu creio que não representa a maior porcentagem".
A ideologia do rock é um debate histórico longo e
inconclusivo, não permite que seja traçado paralelos com qualidade artística.
Roqueiros à direita no espectro (como Lemmy, do Motorhead, ou mesmo Eric
Clapton, que elogiou um racista em show) granjearam tanto prestígio para o gênero
quanto os de esquerda (como Bono, do U2, e Billy Bragg). Mas há limites: Phil Anselmo, ex-Pantera, fez
uma saudação nazista em um show, em janeiro, e agora encontra dificuldades até
para se explicar com seu público. O clima de radicalização política pode ser
encorajador para tirar gente do armário ideológico, mas é preciso lembrar que
estamos no século 21, já houve alguma dialética na compreensão política do mundo.
UMA ENTREVISTA COM LOS CULOS
Los Culos (Os Cus) já
vêm chamando atenção por conta da sonoridade e pela dureza do discurso. Seu
single, Dinosaurios (Cincope Records), tem capa do cartunista Johnatan Weiss,
da tira Dinosaurio Saurio. O primeiro disco só sai em meados deste ano (com
edição em vinil), mas eles já estão balançando o underground. O baixista
Beri, o guitarrista Matto e o baterista Ale Gonzalez nos deram uma pequena
entrevista por email.
A sua canção Dinosaurios é muito política, muito direta.
Vocês parecem retornar à tradição do punk de esquerda, de Clash e ou Dead
Kennedys. Estou errado?
Sempre nos sentimos identificados com bandas como The Clash,
Dead Kennedys, Crass. São referenciais na hora de compor canções, é toda uma
herança que soa familiar.
Afora eles, quais são suas outras influências?
Nossa maior influência na parte musical sempre foram os
Ramones, a melhor banda do mundo pra gente. Porém, fomos muito influenciados
também pela garage dos anos 60 e 70. Hoje, a cena latino-americana está melhor
organizada do que em décadas passadas. O underground de Buenos Aires é bacana e
muito abundante, você pode encontrar uma infinidade de bandas que estão em um
nível profissional, que não tem nada que invejar do mainstream ou àquilo que
está na moda e convoca multidões. Quase todas as bandas do under de Buenos
Aires são totalmente independentes e autosuficientes, além de tocar só o que
produzem e organizar eventos. Acreditamos que, mais além do rótulo punk, hoje
em dia há uma movimentação roqueira superinteressante com bandas muito
variadas. Cremos, e em muitos casos sabemos e damos fé, que isso também está se
passando em vários países da América Latina.
E o punk brasileiro? Ratos de Porão e outros grupos foram
influentes na cena argentina?
Lembramos de ver cartazes na rua de Ratos de Porão por toda
a cidade, e além deles nós conhecemos os Titãs. Uma banda que entrou muito
forte na Argentina foi o Sepultura, que o nosso baterista escutou durante muito
tempo. Angra também, em menor medida. E não podemos deixar de mencionar os
Paralamas do Sucesso, que são quase argentinos, embora não estejam entre nossas
preferências. Tivemos a sorte de ir duas vezes ao Brasil e conhecemos bandas
incríveis, não só do hardcore como de outros estilos também. Todas têm uma
energia que se transmite imediatamente e te fazem mover o corpo.
Macri na Argentina, a filha de Fujimori no Peru. Estamos
vendo um renascimento da direita no continente?
Lamentavelmente, pensamos que a política tende sempre a ser
cíclica e os governos mais fortes e ultracapitalistas tendem a por em crise
constantemente a América Latina, gerando dívida, elegendo caudilhos, falsos
líderes. Sempre que houve um governo popular e democrático eleito pelo povo,
logo aparece a direita ultraliberal novamente com um falso líder popular,
comandada pelos organismos de dívida, os bancos e as multinacionais.O povo é
manipulado e geram confusão com os meios de comunicação. O importante é estar
bem desperto e gerar unidade com o povo, não importa a bandeira que cada um
eleja. A música, nesse aspecto, escolhe dois caminhos: há bandas que preferem
manter-se à margem e não adotar uma postura política e há outras que se
politizam ao extremo. Nós acreditamos que é importante estar informados e que a
música tenha uma mensagem que sirva para abrir as cabeças, que te faça
refletir, ser autocrítico e defender a liberdade de expressão e o sentido comum
por sobre os demais. Assim, cremos que os artistas têm mais responsabilidade
que nunca em mostrar ao menos uma parte da realidade, a das ruas. Porém também
temos que viver a vida ao máximo, divertir-se, porque a vida é curta e temos de
aproveitá-la.
Um expoente da música brasileira, Chico Buarque, criticou o
ministro da Cultura da Argentina, Dario Loperfido. O que acharam disso?
Dario Loperfido, o atual ministro de cultura da Cidade de
Buenos Aires, é uma pessoa que formou parte de uma política que no dia de hoje
está vencida, a dos anos 1990, e que se dedicou a manipuar e mentir. Um
corrupto. É alguém que não deveria ocupar nenhum cargo público no governo,
muito menos opinar sobre ditaduras nem nenhum tema relacionado aos direitos
humanos. Na verade, deveria pedir desculpas por haver feito parte do pior
governo que teve a Argentina, que gerou pobreza, miséria, desocupação,
inflação, e terminou com mais de 40 mortos no final de 2001 na Plaza de Mayo,
enquanto nosso presidente escapava como um rato em um helicóptero de cima do
teto da casa de governo.
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