Canadense que realizou shows dos Stones e do U2 desenvolve pulseira com chip para megashows em um negócio que movimentou US$ 250 milhões no ano passado
Na semana passada, uma velha conhecida dos festivais de rock
veio bater ponto no Lollapalooza Festival, em São Paulo: a fila. Filas
homéricas para comprar as fichinhas chamadas "mangos", sem as quais não
se alcançava a cobiçada cerveja e os acepipes. Em pleno século 21, é possível
que ainda não haja solução para a fila, esse flagelo dos "festgoers"
brasileiros?
Há, e faz tempo. Mas, como toda solução, traz consigo um
terrível efeito colateral: a supressão de empregos temporários. Instalando-se
em São Paulo, um empresário canadense que tem entre seus clientes festivais
como Coachella, Tomorrowland, Bonnaroo e Rock in Rio Lisboa promete o fim das
filas. Serge Grimaux já empresariou shows dos Rolling Stones, Pink Floyd, U2,
David Bowie, INXS, entre dezenas de outros, no Leste Europeu (mantém sua
empresa em Praga, na Checoslováquia).
Grimaux está hoje na vanguarda de um negócio que adquire
mais e mais importância no ramo do show business: fabrica a popular pulseira de
controle de acesso (wristbands) a festivais. Mas uma pulseira turbinada.
Desenvolvendo chips para pulseiras de megashows, ele movimentou em 2015 cerca
de US$ 250 milhões em operações “cashless” (sem uso de dinheiro) no ramo de
entretenimento. E tem ainda mais: ele se propõe a “abrir” as fronteiras dos
megashows para interação com o público externo ao evento - isso se dá por meio justamente
do “fechamento”, o chamado controle de acesso (as pulseiras eletrônicas com
chips embutidos).
“Quando eu dou uma pulseira a um espectador, cada pulseira
tem uma frequência única. Essa frequência se torna dele. Há nela um número.
Quando você vai a um evento, você passa pelo controle e acessa seu perfil do
Facebook, do Twitter, Instagram, o que quiser. Aquilo ali abre sua experiência
para todos aqueles que fazem parte da sua comunidade, dentro e fora do show”,
disse ele, em entrevista num flat na Rua Oscar Freire. Seu sistema já roda
eventos do mundo todo há três anos, e ele explica como funciona. “Cada
equipamento daquele evento que fizer a leitura do seu chip pode te dar uma
experiência. Coloco sensores na frente de cada palco, e quando você aproxima
sua pulseira você pode se tornar fã daquela banda, receber o setlist daquele
show, fazer podcasts, enviar selfies e conversar com os integrantes. Você se
torna efetivamente parte do show. O artista já sabe desse potencial. Fiz isso
num show de Jack White, e muitas pessoas que foram àquele show hoje se
correspondem com Jack, trocam informações musicais, são amigos”, contou.
Dois anos atrás, Grimaux recebeu uma ligação. Era Roger Waters, do Pink Floyd. “Como
se sabe, ele é um ativista. Ele queria mandar um manifesto para o mundo
contendo mensagem da Anistia Internacional. Por meio da pulseira daquele show,
queria que cada um que tivesse ido ao concerto dele pudesse receber uma
mensagem personalizada de Rogers na sua página do Facebook. A mensagem acabou
atingindo 23 milhões de pessoas”, revelou.
Grimaux diz que isso cria “canais personalizados de
conteúdo” de artistas que estão fora do monopólio das mídias tradicionais. Pode
funcionar para qualquer grande evento, de jogos de futebol às Olímpiadas e
shows de estádio. Na Escócia, por exemplo, desenvolveu uma pulseira para a BMW
em um salão de automóveis que funcionava assim: havia sensores à frente de dois
carros. Em um deles, o visitante, geralmente revendedor da BMW, recebia todas
as informações tecnológicas sobre o modelo. No outro, habilitava-se para um
test drive em sua cidade de origem. Quando em sua cidade, recebia uma mensagem
em sua rede social convocando-o para o test drive do modelo que vira – 3,5 mil
pessoas inscreveram-se. Um acordo com o Bureau de Turismo da Escócia garantia
mimos extras, de mapas turísticos a drinques gratuitos em cidades do País.
Claro, como tudo em tecnologia hoje em dia, o negócio do empresário tem um
impacto: colabora para fechar postos de trabalho.
Em São Paulo como convidado de uma conferência, há 2 meses, Grimaux veio tomar pé do terreno para entrar de sola no mercado nacional a
bordo de sua empresa, Intellitix. Ano passado, já municiou com seus gadgets o
festival de música eletrônica Tomorrowland, em Itu. Tomou chope na noite da Vila
Madalena e ficou espantado com a feérica ação dos helicópteros da polícia em
cima de uma manifestação de estudantes na rua, coisa que não presenciava desde
o movimento Occupy.
O empresário foi o responsável por recordes históricos de
público de megashows, mas ainda cultiva seus sonhos. Um deles: “Justin
Timberlake é um artista completo: canta, dança, produz. Você sabe, é ele quem cria
tudo no show. Os efeitos, a coreografia, controla tudo. Se eu tiver a chance de
trabalhar com ele um dia, ficarei muito feliz, porque é muito inteligente”.
Hoje com 59 anos, vivendo mais em aviões do que no chão, como
conta, lembra que começou no ramo aos 14 anos, em Montreal. “Foi por volta de
1971. Entrei nisso por causa das garotas. Eu não conseguia tocar guitarra,
porque era horrível, então eu resolvi organizar o show dos guitarristas”. Mas a
mãe preferia que ele se tornasse advogado, e ele a satisfez – embora à sua
maneira, juntando os bastidores dos shows com os livros de direito.
Ouvi que você foi o realizador do primeiro concerto do U2 na
Rússia. É verdade?
Foi na Polônia. Em 1997. Tivemos 58 mil pessoas, foi incrível,
um momento fantástico para mim, porque recebemos Lech Walesa no estádio, ele
ficou na área VIP e depois eu o levei ao camarim para encontrar Bono, e Bono
cantou New Year’s Day, que ele reformulou em homenagem ao sindicato
Solidariedade. Foi um belo momento, eu fiquei honrado de ter trabalhado com o
U2 naquele momento, e continuei a trabalhar com eles após aquilo. Foi a primeira
vez que estiveram na Europa Central, e depois voltaram com a turnê Popmart, que
eu também realizei, um show para 75 mil pessoas. Foi absolutamente brilhante,
dias fantásticos. Havia um aspecto discothèque, mas eles tinham canções que me
emocionaram, como Staring at the Sun, que Bono fez para seu pai quando este
estava morrendo na Irlanda.
E os Stones? Como você começou a trabalhar com eles?
Precisamos voltar a 1989. Eu era... Originalmente, eu sou de
Montreal (Canadá) e eu promovia concertos na América. Na verdade, eu trabalhava
para um promoter, eu era um assistente ainda. Eu também cuidava de aspectos
contábeis e financeiros dos shows, e nós tivemos naquele ano a turnê Steel
Wheels, quando os Stones voltaram a fazer shows. Eles fizeram Vancouver,
Toronto e Montreal. Comecei a trabalhar com eles não só porque estava envolvido
em todos os aspectos financeiros e de produção do show, mas também porque eu
sou advogado. E eu tinha desenvolvido procedimentos para cumprir a Common Law,
porque, no Canadá, esse aspecto da legislação tem uma grande influência nos
concertos. O Canadá funciona numa fronteira legal entre as legislações inglesa
e francesa, dois sistemas legais. Os franceses foram os colonizadores, 400 anos
atrás, e então os ingleses, 150 anos mais tarde. Então temos esses dois
sistemas regulando tudo. A Common Law regula todo o copyright. Toda a
propriedade intelectual devida ao artista ou pelo artista deve ser coordenada
por essa lei, da venda de camisetas aos discos e vendas de ingressos. Por causa
disso, eu representei os Rolling Stones, Michael Jackson, INXS, Celine Dion,
U2, entre muitos outros. Por isso, acabei trabalhando para os Stones. Depois,
em 1992, eu comecei um serviço de venda de tickets na Checoslováquia. Eu
cheguei lá encantado pela energia, a excitação das pessoas que tinham de novo o
controle de seus destinos após 44 anos de comunismo. E aquilo me capturou. “Por
que não fazer parte disso?”, eu pensei. Mas para fazer o quê? Bom, eles
precisavam de infraestrutura, e minha experiência era em controlar o dinheiro,
então abri essa empresa de shows e venda de ingressos. Dois anos depois, em
1994, eu realizei um show do Pink Floyd para 110 mil pessoas em Praga. Era a
turnê The Division Bell. Àquela altura, não existia Google, ninguém sabia como
fazer orçamento de shows. Eu mesmo admitia 10% de erros, por que não falava
checo. Foi então que o empresário dos Stones, Michael Cohl, me procurou para
saber quem poderia realizar um show dos Stones em Praga, eles queriam tocar
ali, e eu disse: “Eu. Eu sou empresário, eu posso fazer”. Em 1995, eles vieram
e fizemos o maior show dos Stones até hoje, 126.742 pessoas.
Você lembra o número exato?
Nunca esquecerei em toda minha vida. Eu recomecei minha
carreira de promoter naquele show. Depois eu fiz Michael Jackson, David Bowie,
Pavarotti. E é isso. Tenho atividades em Montreal e Praga. O último show dos
Stones que realizei foi em Quebec, no último verão.
E atualmente que tipo de operação você faz no show dos
Stones?
Nesse último verão, fui responsável por desenvolver as
pulseiras que davam acesso a 9 mil pessoas a diversos setores da turnê e outros
locais pela cidade de Quebec. Estou realmente concentrado agora na tecnologia
do negócio de concertos.
E em relação ao Brasil? Tem algo errado com o Brasil para
aderir a esse negócio?
Errado? Nada. Nós estamos apenas começando aqui. Tenho que
achar tempo para permanecer no Brasil entre dois a quatro meses para me
estabelecer aqui. Eu acredito imensamente na capacidade do Brasil em receber
tecnologia. Tenho observado o Brasil desde 2000. Em 2011, eu vim para o Rock in
Rio. Voltei para o Rock in Rio em 2013. Trabalhei com o festival em Lisboa. Também
acompanhei Kate Perry em sua turnê aqui em São Paulo, o show foi promovido por
Phil Rodrigues (empresário, dono da Move Concerts), que é meu amigo. Quanto
mais eu vejo as coisas aqui, mais animado eu fico.
Perry Farrell, do Lollapalooza Festival, usa sua tecnologia
de pulseiras?
Nós providenciamos as pulseiras para eles durante três anos,
em Chicago. Depois, eles criaram sua própria companhia de venda de ingressos e
não trabalhamos mais juntos. Parece que usam o cartão de crédito no processo,
então eu não considero cashless porque cartão de crédito é dinheiro plástico, e
eu preconizo o não-dinheiro.
Quais são as vantagens do não-dinheiro em um festival?
É extremamente conveniente e seguro para as pessoas.
Especialmente em festivais. Você vai a
um festival durante três dias, bem, você tem que levar dinheiro. Considere as
questões: além da de segurança, de ter que carregar dinheiro durante três dias
em um lugar sujeito às intempéries, às chuvas, neve. Pode perder ou queimar.
Para suprir isso, os festivais colocam caixas automáticos bancários, mas aí vem
a questão de portar dinheiro de novo. Sem considerar as imensas filas que são
organizadas nos festivais de música para tudo, para comprar fichas de cerveja e
comida e depois para retirá-las. A conveniência é o primeiro ponto. De vez em
quando, e isso já acontece há muito tempo, vendem-se fichas que valem para
todos os dias daquele festival. É algo igualmente estúpido, porque você tem que
carregar aquilo, está sujeito aos mesmos problemas do dinheiro. Muitos acham
bacana porque podem levar o cupom como souvenir, mas eu considero o souvenir
mais feio que se pode levar de um festival. E imagine os custos para os
organizadores de festivais: 400 lugares com caixas vendendo tickets. Filas
imensas. E para cada caixa, um ou dois seguranças. E você tem que dar troco. Tudo
isso significa dinheiro, o que encarece o festival. É errado, em termos de
procedimentos, de diversão. No meio da tarde, aquilo pelo qual a pessoa esperou
durante o ano todo, que se consumaria em três dias, e você está na frente do
palco com seus amigos, e não tem mais jetons suficientes, nem cupons. Se você
tiver sorte, haverá um caixa automático de banco, mas também uma fila enorme. E
a pessoa que controla aquele fluxo de dinheiro é o vendedor. Se você é o
organizador do evento, você vai no final do show até o vendedor e pergunta:
“Então, quantos cafés você vendeu?”. É verdade, é assim que funciona. Eu já
vendi cafés, sei como era. Você pressupõe que todos eles vão lhe dizer a
verdade. “Vendi 272 cafés”, e você paga pelos 272. Imagine que são 2 horas da
manhã, você é o organizador e está sabatinando cada vendedor.
E o seu sistema torna a coisa mais lucrativa para o
organizador?
Definitivamente. É tão lucrativo que nós somos apenas parte
desse superávit. Nós criamos o aquilo que batizamos de “uplift”, e o que ganhamos
é uma parte dele. Cobramos zero do promotor de shows. O que ocorre é que nós
geramos mais dinheiro e nos tornamos parte desse excedente. Esse é o contrato. Espero
que o Brasil abrace isso. Eu já fiz isso no Tomorrowland desse ano, em Itu. Tivemos
55 mil pessoas no camping com o controle de acesso pelas pulseiras, e foi um
evento fantástico, sem dores de cabeça no controle dos valores. Pelo controle
da pulseira, era só chegar e dizer: “Caro, o sr. vendeu 272. Eis o seu
dinheiro”. Contamos o dinheiro, os cafés, o açúcar, tudo. Para o organizador do
evento, nós garantimos dor de cabeça zero no controle do cash. E tudo é feito
em tempo real, o controle inteiro.
A Ticketmaster (maior do ramo de tickets) perdeu uma ação
milionária nos Estados Unidos no ano passado por conta de taxas de
conveniência. Você acredita que empresas como a Ticketmaster estão em vias de
desaparecer?
Acho que o serviço de vendas de tickets é um negócio em si
mesmo. Eu não sou uma empresa de vender tickets. Eu trabalho para todas elas.
Quando eu criei a Intellitix, eu defini uma série de princípios importantes. Um
deles era que eu não faria algo que já tivesse existido antes de a Intellitix
existir. Vendas de tickets já existiam, então eu não entraria nisso. Pulseiras
de shows já existiam, então eu não entraria nisso. Então, uma das linhas é a
seguinte: há 4 empresas que formam o coração do negócio de vendas de ingressos
para eventos. Seu negócio é tornar esse ticket disponível e trazer as pessoas
ao evento. Eu trabalho para todos que queiram vender os tickets, às vezes 6, 7
empresas para um mesmo evento. Eu crio um paraevento que vem a ser a espinha
dorsal da experiência ao vivo. Há muita mudança no mundo nesse momento, todos
estão em busca de uma identidade. Quando você está no ramo da tecnologia, e
você tem mais do que 35 anos, você tem que ser uma espécie de fênix, tem que
renascer, reinventar-se. Do contrário, você vai morrer. Pense num carro com
mais de 40 anos de idade. É isso. Empresas nesse momento, e também toda a
sociedade, têm que mudar com velocidade. Têm que entender que as pessoas estão
em um processo de “uberização”. Entende o que quero dizer? O que o Uber fez?
Deu às pessoas o que elas queriam. Faz bem aquilo, sem complicação. Simples
assim. Se você não “autocratizer” a si mesmo, vai se expor a desafortunadas
surpresas. Tem que dar às pessoas o que elas querem.
Você tem pique de ensaísta. Considera-se também uma espécie
de teórico da tecnologia?
Sou apenas um garoto tentando mudar o mundo (risos). Minha
maior façanha, além da minha filha, é poder colocar grandes cérebros ao redor
de uma mesa, ou mesas, em muitos lugares do mundo. A história até agora tratou
de capitalizar coisas que não contam para a inteligência ou conhecimento, mas apenas
para o dinheiro. Vivemos numa sociedade na qual, há dois anos, 34% da população
italiana estava indo para a escola elementar para conseguir um diploma e depois
um diploma de universidade. Para depois descobrir que não havia o emprego tradicional
no final desse processo. Eu estou apenas fazendo coisas que me parecem naturais.
Um festival de música é uma comunidade, e se você entra nessa comunidade, não é
complicado ter diversão. Não precisa dinheiro. Não preciso ter dinheiro no meu
bolso todo o tempo. Também não é só bebendo até cair ao chão que se consegue
essa diversão. Acompanho as mídias sociais, há vídeos de pessoas bebendo muito,
mas acho que isso é apenas algo conveniente. De qualquer forma, não criamos
softwares para mudar a natureza humana. Todo mundo vai sempre achar um jeito de
ficar bêbado. Somente acho que as pessoas se comportam de forma mais legal do
que a gente acredita. Há muito mais inteligência na sociedade do que o
contrário. Apenas que não é mostrada.
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