Demorou, mas a Cultura finalmente entrou na
campanha. A presidente Dilma Rousseff convocou o secretário de Cultura de São
Paulo, Juca Ferreira, para uma conversa em Salvador, ontem. Ferreira, que tinha
sido preterido por Ana de Hollanda na formação da primeira equipe ministerial
de Dilma, ouviu dentro do avião presidencial, durante mais de uma hora, uma
espécie de mea culpa da presidente, que admitiu ter errado feio na escolha de Ana
de Hollanda – um nome que trouxe atraso programático e dinamitou os principais
(e elogiados) programas culturais da dupla Gilberto Gil e Juca Ferreira em seus
8 anos de gestão (entre 2002 e 2010). Dilma também se arrepende de ter deixado
que Ana fizesse um rapa em alguns dos quadros culturais do ministério - sem nenhuma manifestação de desagrado.
Dilma se
move com alguma pressa. Ferreira deve juntar-se já nesta segunda-feira ao time
de coordenação da campanha. O affair Ana de Hollanda (substituída após dois
anos de ministério) também foi nocivo para a interlocução entre governo e
artistas. Marta Suplicy, que a sucedeu, tem bom nome no Congresso, mas não se move com desenvoltura no meio artístico. Desde a queda de Ana, houve um
afastamento progressivo da classe artística do governo. E um estremecimento do
atual governo com os dois principais nomes daquela experiência ministerial, Gilberto
Gil e Juca Ferreira.
Os adversários
da atual presidente sabem disso. Em novembro do ano passado, o então candidato
do PSB, Eduardo Campos, convidou Gilberto Gil para ser candidato ao governo do
Rio de Janeiro pelo partido. Gil não topou. Outro que também foi sondado,
naquela época, foi o ator Marcos Palmeira.
Essa semana, a
sucessora de Campos, Marina Silva, disse que, se for eleita, pretende reativar
na Cultura a experiência que foi empreendida por Gil e Juca durante sua estada
no governo. O sinal foi entendido: se Marina conseguisse essas duas adesões,
seu projeto na área da cultura seria virtualmente inatacável, porque o período
Gil-Juca goza de uma quase unanimidade. Dilma se antecipou.
Mas acontece que
Gilberto Gil ainda tem dúvidas sobre a quem dedicará o seu apoio nessa campanha
– ele tem uma ligação muito forte com Marina, uma amizade sólida que cresceu no
tempo em que dividiu com ela o nicho das “ovelhas negras” do governo Lula (Meio
Ambiente e Cultura). Ao mesmo tempo, ele tem também um senso de lealdade para
com Lula, que pode entrar na cena. Gil tende a manter-se neutro, embora esse
não seja o seu estilo.
Historicamente, a
Cultura não é objeto de grande atenção das lideranças políticas, seja de que
partido forem. As verbas irrisórias dão a medida disso, além do isolamento das pastas.
Quando eleitos os candidatos, a relação piora. Paradoxalmente, a cultura pode
ser decisiva em horas de grande aperto. Espera-se que os artistas, a maioria
sempre inclinada a alinhar-se com a esquerda, decidam seus posicionamentos públicos
dessa disputa nas próximas semanas. Mas agora pontificam duas candidaturas
presumivelmente de esquerda em jogo: Dilma e Marina. Quem conseguirá as adesões
mais impactantes, de maior consistência intelectual e influência?
Em outubro de 2010,
convocados por Gil, o “núcleo duro” dos artistas brasileiros se reuniu no
Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro, para definir seu apoio a Dilma e Lula.
Naquela ocasião, a fala de Chico Buarque de Hollanda (entrando no epicentro do
tiroteio eleitoral) foi considerada decisiva para a demarcação do escopo
ideológico dos dois candidatos. E ajudou Dilma a arrancar para a vitória.
“(O governo Lula)
é um governo que fala de igual para igual. Não fala fino com Washington e não
fala grosso com a Bolívia e o Paraguai e, por isso mesmo, é respeitado no mundo
inteiro”, disse Chico. “O caminho do desenvolvimento econômico, social e
cultural é o de Dilma. A alternativa (José Serra) é o obscurantismo, é a
intolerância, é a repressão, é o caminho do facismo”, disse o intelectual Emir
Sader, um dos organizadores daquele ato. Sader é uma das vítimas, por assim
dizer, da gestão Ana de Hollanda. Foi desconvidado
para assumir a Fundação Casa de Rui Barbosa após dizer, numa entrevista à Folha
de S.Paulo, que Ana de Hollanda era “meio autista”.
De qualquer
modo, a situação mudou um tanto desde 2010. Há suscetibilidades feridas e também problemas varridos para baixo do tapete. E as vacas sagradas tiveram suas
reputações arranhadas. Os principais ativistas políticos, entre os artistas,
chamuscaram-se um bocado durante o debate da proibição às biografias, no qual
defenderam necessidade de autorização prévia para se publicar livros sobre suas
vidas – alguns, até com o pagamento de royalties. E será que Chico Buarque, uma
das principais vozes da esquerda, manterá seu apoio a Dilma após sua irmã, Ana
de Hollanda, ter sido expelida de forma meio vexatória do Ministério da
Cultura?
Caetano Veloso parece inclinado a anunciar em
breve seu apoio a Marina Silva. Em entrevista ao jornal O Globo, ele disse o
seguinte sobre as eleições, no dia 3 de agosto. “No cenário federal, gostei
quando Marina, em quem sempre confio, surpreendeu a todos unindo-se a Eduardo
Campos. Isso deu uma balançada que não vai ficar sem consequências. Gosto de
Eduardo, que conheci criança. Gosto também de Aécio. De resto, não tenho
rejeição íntima aos economistas liberais que os cercam”.
Juca Ferreira
tem a incumbência de passar a limpo um período conturbado. Tem a seu favor um histórico de interlocução suave entre
políticos e artistas. Muitos desses artistas engajaram-se em uma campanha para mantê-lo
ministro, em 2010, mas não foram bem-sucedidos. Juca passou dois anos em Madri,
sendo repatriado pelo prefeito Fernando Haddad para assumir a secretaria de
Cultura de São Paulo. Apesar do orçamento exíguo na metrópole, ele conseguiu
marcar alguns gols importantes na gestão da cultura na metrópole – entre eles,
um ato de grande simbolismo, a reabertura do Cine Belas Artes.
EM TEMPO: Acabo de saber que Dilma vai tentar reeditar o encontro de artistas e intelectuais, no próximo dia 15, no Teatro Casa Grande, no Rio. Muita gente, como Frei Leonardo Boff, confirmando presença, com Otto e Fred Zero Quatro certamente no bolo. De fato, a coisa está começando.
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