quarta-feira, 29 de novembro de 2017

OCEANOS LITERÁRIOS


A escritora Ana Teresa Pereira, da Ilha da Madeira



ESCRITORA RECLUSA DA ILHA DA MADEIRA É
PRIMEIRA MULHER A GANHAR O PRÊMIO OCEANOS


“Ela é muito meticulosa”.

“Ela vai dar uma resposta curta, certamente”.

“Ela é cinéfila”.

“Ela não vai com muita frequência ao continente”.

“Havia 30 anos que ninguém via uma foto recente dela”


A grande vencedora de um dos mais importantes prêmios literários da língua portuguesa, o Oceanos, aglutina em torno de sua personalidade uma corrente de mistérios. A vencedora do Prêmio Oceanos, cujo nome foi divulgado essa manhã em São Paulo, é desconhecida do leitor brasileiro. Tem mais de 20 livros, mas nenhum deles foi publicado aqui. Ainda assim, ela ficou em primeiro lugar na disputa, a primeira mulher em 15 anos, com o livro Karen (Editora Relógio D’Água), deixando em segundo o romance do notável vencedor do Prêmio Jabuti, Machado, de Silviano Santiago.

Ela é Ana Teresa Pereira, e vive na Ilha da Madeira, em Portugal. Segundo o crítico literário português Antonio Guerreiro, que conhece bem a sua obra, além de arredia, Ana Teresa também tem um lado “anedótico”. Ele contou que, certa vez, escreveu uma crítica de um dos primeiros livros da autora, em Portugal. Ela fazia uma descrição meticulosa de um filme de Alfred Hitchcock, cuja obra o crítico não dominava. “Aceitei como verdade (a descrição dela”, conta Guerreiro. “Um editor que era meu amigo me alertou que aquele filme do Hitchcock não existia. A partir daí, passei a desconfiar de sua cinefilia. É provável que (alguns filmes que ela descreve) não existam ou que suas relações com eles seja mais enviesada, menos óbvia”, admitiu.

A autora quebrou um protocolo pessoal na entrega do prêmio: concordou em falar com a plateia presente no Itaú Cultural por meio do messenger do Facebook. Disse que se sente influenciada por Henry James. “Só temos um ponto de vista: o da narradora”, ela disse, citando em seguida Rebecca, de Daphne du Maurier. “Nunca sabemos mais do que ela”.

Ana Teresa também deu crédito aos policiais clássicos, dizendo que Karen tem “a estrutura de um policial abstrato”. Ela também citou Fernando Pessoa e “a fragmentação da identidade, os duplos, a indecisão entre realidade e irrealidade” como inspirações. Informou que está escrevendo no momento um livro de contos fantásticos.

Antonio Guerreiro disse que é difícil colocar a obra da autora em diálogo com a literatura atual, alertando que ela ocupa um lugar à parte, um pouco exterior. “Não suscita grandes entusiasmos, mas também não há reservas profundas” ao nome dela.A proximidade com a cultura anglo-saxã é uma das características também do trabalho dela.

Pelo primeiro lugar, Ana Teresa levou 100 mil de prêmio, enquanto Silviano Santiago ficou com R$ 60 mil. O livro de poemas Golpe de teatro, do português Helder Moura Pereira, ficou em terceiro lugar, com R$ 40 mil. O quarto lugar foi dividido entre Anunciações, da poeta portuguesa Maria Teresa Horta (um híbrido de poesia e prosa) e Simpatia pelo Demônio, de Bernardo Carvalho. Cada um receberá R$ 30 mil.


O cônsul de Portugal em São Paulo, Paulo Lopes Lourenço, participou da cerimônia e transmitiu mensagem do ministro da Cultura de Portugal. Lourenço afirmou que “nunca houve tanto trânsito entre os dois lados do Atlântico” na questão literária, realçando que trata-se tanto da língua de Camões e Machado quanto a de Pepetela e Mia Couto”. Ainda assim, pelo segundo ano consecutivo, não havia nenhum representante do Ministério da Cultura brasileiro no evento (embora os R$ 800 mil gastos na premiação, parte expressiva do total, provenham da Lei Rouanet). 

Dos 51 semifinalistas, 49 nunca foram publicados em outro País. Silviano Santiago, um dos mais destacados escritores brasileiros contemporâneos, nunca foi publicado em Portugal.

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