quinta-feira, 6 de abril de 2017

PARIS BRILHA SEMPRE




Zaz veio, Zaz cantou no Espaço das Américas, no dia 2, e eu não fui. Era dia do aniversário do João e foi um dia muito atarefado. Mas eu a entrevistei. Eis a íntegra da entrevista.



Jotabê Medeiros

O Chatêau de Crussol são as ruínas de um castelo do século 12 no Vale do Rhône, na França. Outrora ocupada pelos romanos, a região será dominada, nos próximos dias 8 e 9 de julho, pela entourage da cantora francesa Zaz e seu “festival cidadão”, que ela batizou de Zazimut, e que reúne conferências, feiras, ateliês artísticos e muita música. “Também estamos a caminho de lançar um game de comunicação não violento que se pode aplicar a uma classe de alunos, no decorrer de um programa escolar. Sem falar de todos os outros belos projetos que tenho na cabeça, que quero realizar em breve. É excitante”, me contou uma esfuziante Zaz.

A França produz superestrelas planetárias em doses homeopáticas, e o pop de Zaz é uma dessas pílulas: em pouco mais de 5 anos, a cantora, nascida Isabelle Geffroy às margens do rio Loire, em Tours, no centro da França, acumula façanhas. Vendeu mais de 3 milhões de discos de seus primeiros dois álbuns e tocou em mais de 50 países.

Misturando gipsy jazz com a música francesa tradicional, ela chegou a ser chamada de “nova Piaf”, comparação que detesta. Antes da fama, Zaz ralou bastante. Cantou em cabaré durante 5 anos, sem microfone. E também se apresentou nas ruas de Montmartre. Descoberta pela facilidade de interpretar o jazz, sua música entrou na trilha sonora do filme A invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese e ela fez dueto com Plácido Domingo em Le Chason Des Vieux Amants. Paris, seu disco de 2015, teve produção de Quincy Jones.

Mas ela não quer só confetes, como explicou na entrevista. “Eu sempre pretendi que a energia de minha música, minha notoriedade, sirva a algo mais além de procurar proporcionar prazer ao público”. O projeto Zazimut, que engaja ONGs e associações por onde passa, é sua atual menina dos olhos, sonho de garotinha. Desenvolve ações e pesquisas com propósito de renovar sistemas educativos. Para financiar isso, ela utiliza a venda de produtos derivados de sua carreira e shows beneficentes, que já atingiram 100 cidades em 20 países, estabelecendo conexões entre o público, as estruturas locais e ações não lucrativas.
Em 5 anos, você ocupou lugar de superstar da música francesa. Dizem que superpoderes trazem também super-responsabilidades. Você sente essas responsabilidades?

Sim, é claro que as portas se abrem mais facilmente por eu me chamar Zaz, mas há também o outro lado da moeda: a perda de liberdades, a ausência de anonimato. Além do mais, eu quis investir na sociedade, deixar a impressão de ter feito algo que é maior que as coisas que me causam descontentamento. Eu quero contribuir para um mundo mais respeitoso com os seres da terra. Com meu projeto Zazimut, nós destacamos pessoas que encontramos por toda parte para onde levamos nossos concertos, além das associações, as ONGs. E é genial de ver todas as belas iniciativas, o cidadão que não espera que os outros façam em seu lugar. É como a lenda ameríndia do colibri, alguém que faz a sua parte com seus próprios movimentos. Todo esse entusiasmo que gera esse belo projeto e todas as frutas que colhemos, eu acho fantástico. Estou certa que a primeira edição do festival Zazimut será uma bela aventura. Eu sempre pretendi que a energia de minha música, minha notoriedade, sirva a algo mais, além de procurar proporcionar prazer ao público. Com Zazimut, é meu sonho de menina que eu concretizo. Penso que o mundo está em plena mutação. Sabemos que há muitas demandas e que é muito difícil fazer prognósticos, em especial sobre a política. Podemos ver as coisas de maneira positiva ou negativa. Eu prefiro ver o copo meio cheio do que meio vazio, pensar que teremos um mundo melhor a seguir. Essa não é senão uma etapa de transição. Penso que as coisas estão melhores se comparamos com o século 20 ou mais para trás.

Seu novo espetáculo é uma invenção do designer Laurent Seroussi, que foi colaborador de Henri Salvador, Françoise Hardy, Yael Naim. Qual imagem de Zaz que Seroussi trabalhou?

É tudo completamente uma colagem de Laurent. Ele é muito criativo e captou meu universo de forma tão onírica quanto realista. Em pouco tempo ele inseriu a poesia no espetáculo, em colaboração com Nicolas Guilli, que é o designer de iluminação e que para mim é um verdadeiro poeta. Para ser sincera, eu tenho verdadeiramente uma bela equipe de técnicos em torno daquilo que sublima o espetáculo, e isso é essencial. Sem falar dos músicos, obviamente. Amo minha equipe!
Vivemos hoje o império do R&B, bastante dependente da dança, da produção, coreografia. A indústria musical te pediu para se aproximar desse universo?

Não, me pediu para propor alguma coisa de diferente ao público para entretê-lo. Há hoje muitos elementos exteriores à disposição para entreter sem se privar de nada. O espetáculo com o qual nós estamos indo ao Brasil (o show em SP foi no dia 2, domingo) não é o mesmo que mostramos em turnê na França, porque é muito complicado contratar todo o necessário para montar o kit completo. Vamos armar um belo compromisso para que vocês possam ver uma significativa parte do show.

A última turnê que você fez pela América do Sul foi complicada, você e o seu grupo tiveram problemas com aeroportos e tiveram que atravessar a Cordilheira dos Andes de ônibus. Que tipo de surpresa você espera dessa vez?

É verdade que foi doido, e o que nós lembramos no final é isso que se tornou um dos meus souvenirs de turnê que volta e meia lembrados. Hihihihihi!!!! Eu adoro os imprevistos. E depois, malucos como nós somos, nós nos adaptamos a tudo. Veremos qual será a surpresa dessa vez.

Na França, muitas das novas cantoras logo ganham o estatuto de herdeira de Piaf. É uma coisa boa, em sua opinião?

Não sei de nada. As pessoas precisam fazer as comparações, eu creio, e veem isso em certas referências, como Piaf, experimentando assim seu desejo de reter a estrela do passado, a nova Piaf. A mim, pessoalmente, isso me chateia!
Um ano e meio após o atentado do Bataclan, você acha que Paris se tornou uma cidade diferente? Há hoje um mundo muito mudado, há essa novidade do Trump nos Estados Unidos, o Brexit na Inglaterra, a direita fortalecida na França. Como você vê esse novo mundo?

Eu creio que as máscaras caíram. Creio que o mundo está em plena mutação. De toda maneira, para mim, é um momento em que se está a retomar a posse do livre arbítrio, e é uma coisa boa. Claro, isso conduz também aos extremos, é inevitável. Mas eu acredito nos atos cidadãos e muita gente não quer que o governo aja por ela. Vejo todas essas pessoas que se mobilizam para criar a sociedade que querem ver eclodir, por exemplo, na educação, na agricultura. Deve-se prestar atenção ao que eles reivindicam, não focalizar em seus aspectos negativos mas no que fazem de bom, que é alimentar a alma e o bem comum. Para mim, a nossa responsabilidade é difundir o amor, ante o risco de ficarmos sob o medo e ceder o poder a essas pessoas que não querem mais do que destruir. Eu fiz a minha escolha. Sim, Paris recebeu um golpe, mas Paris brilha sempre.


Nenhum comentário: