Roberto Freire tirou dos pobres para dar aos ricos. Essa é a
conclusão que se tira a respeito da Instrução Normativa nº 1, a primeira
mudança da Lei Rouanet na era da exceção democrática, publicada hoje no Diário
Oficial da União.
A mudança manteve todos os privilégios dos ricos, os
institutos culturais, os grandes museus privados e as fundações que usam a Lei
Rouanet. Foram estabelecidos tetos para as micro-empresas, mas os Planos Anuais
não têm teto, podem continuar utilizando a grande massa dos recursos do
incentivo. Ao mesmo tempo, o MinC tirou todas as esperanças dos mais pobres, replicando
assim as grandes mudanças que estão acontecendo no Congresso no momento, com a
dilapidação da Previdência Social (na prática, um confisco de vidas inteiras de contribuição) e a terceirização do trabalho.
Os tetos, para as empresas de responsabilidade civil
limitada (T4F, Aventura Entretenimento, etc), são de R$ 10 milhões por projeto,
até o limite de R$ 40 milhões, e são admitidos até DEZ projetos por ano. Ou
seja: exatamente como vem sendo, com um ou outro projeto fora da curva nos
últimos 5 anos.
Logo no início do texto, vem a restrição do perfil do
proponente de cultura. Só poderá apresentar proposta de financiamento pelo
incentivo fiscal o proponente que comprovar 24 meses de atuação na área, com
portfólio. Imaginem grupos de expressões indígenas, de hip hop ou de cultura
popular produzindo portfólios de 24 meses de atuação para poder reivindicar o estímulo. E o primeiro projeto apresentado só poderá ter valor de até R$ 200
mil. A instrução normativa cria problemas para os pequenos e para os novos produtores, afunilando ainda mais e acentuando privilégios.
Na coletiva, o secretário de Incentivo à Cultura, José Paulo
Martins, informou que serão privilegiadas as propostas de proponentes que já
tenham em vista um investidor. Isso reduziria em 60% o volume de recursos
apresentados à Lei Rouanet. Aí está um absurdo: o princípio presumivelmente democrático do
mercado só serve para quem tem acesso privilegiado ao mercado. O resto chupa o
dedo.
A mudança deu um jeito de manter privilégios de instituições
como a Fundação Fernando Henrique Cardoso, que paga até papel sulfite com
dinheiro da Lei Rouanet. Pode-se utilizar 50% dos custos do projeto na
administração, e são admitidas como despesas de administração material de escritório;
contas de telefone, água, luz ou de internet; pagamentos de pessoal
administrativo e encargos sociais, trabalhistas e previdenciários. Ou seja:
nada mudou.
A mudança institucionaliza o ingresso caro (“o valor máximo
do produto cultural, por beneficiário, será de até R$ 250,00”) e cria um
ingresso médio de fábula (R$ 150). Grupos artísticos foram equiparados a
equipes de desfiles de moda, modelos e maquiadoras.
Os captadores de recursos podem cobrar até 10% (dez por
cento) do valor do projeto, até o máximo de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Se
captar para o Norte ou Nordeste, pode chegar a 15% e valor máximo de R$ 150
mil.
Há uma ou outra coisa que se salva nessa cascata. O artigo 36,
por exemplo, que veda utilização da lei por instituições religiosas, salvo
quando caracterizadas exclusivamente como colaboração de interesse público e
desde que o objeto do projeto contemple edificação tombada pelo poder público
ou tenha natureza cultural. Evita que evangélicos queiram usar para suas igrejas, a não ser que elas já tenham um reconhecido valor histórico e arquitetônico.
Já as mudanças de atualização tecnológica e fiscalização não
precisavam de nenhuma instrução normativa para serem adotadas. São questões de
gestão do sistema. Aquela cara e aquele discurso de rigor extremo do ocupante da cadeira de ministro da Cultura na coletiva desta terça eram um grande exemplo de manifestação artística: um belo dum teatro.
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