MINC PEDE R$ 1,7 MILHÃO DE VOLTA DE ACUSADO DE FRAUDAR LEI
ROUANET
O Ministério da Cultura pediu hoje à empresa Amazon Books
& Arts a devolução de R$ 1,7 milhão ao Fundo Nacional de Cultura pela
captação de recursos para 5 projetos. A decisão está em portaria publicada no
Diário Oficial da União. Apesar do nome familiar, a Amazon Books & Arts não
tem nada a ver com as lojas virtuais Amazon. Trata-se de uma das sub-empresas
usadas para captação de recursos pelo empresário Antonio Carlos Bellini Amorim, apontado
pela Polícia Federal como um dos maiores fraudadores da Lei Rouanet desde a sua
criação.
O projeto mais vultoso dos cinco reprovados, de Circo, que
captou R$ 710 mil, é de 2012 e é descrito assim no memorial do MinC (mantenho o
português do autor): “O projeto Circo na Cidade pretende proporcionar às
familias de baixa renda, o acesso à oficinas, para a prática em aparelhos
circense como: cama elástica, trapézio baixo, tecido, malabares, acrobacia de
solo, alongamento para contorção, arame entre outros. O evento terá duração de
180 (cento e oitenta dias), prevendo um espetáculo circense gratuito, aberto ao
público”. O projeto foi inteiramente financiado por uma única empresa, a
Perdigão Agroindustrial.
Em menos de uma década, a Amazon Books & Arts captou R$
33 milhões em recursos incentivados de empresas diversas. Entre os reprovados
nessa portaria de hoje, está o da História do Helicóptero. Há muitos projetos
usando nomes de instituições e artistas, como o Instituto Tomie Ohtake, mas nem
sempre há cuidado com a apresentação. Em um projeto intitulado Jovem Olhar, a
produtora escreveu: Thomie Otheke.
Bellini foi preso em São Paulo em junho do ano passado e
solto com pagamento de fiança de 100 salários mínimos). No último dia 2, ele
foi indiciado pela Polícia Federal, junto com outros 29 investigados na chamada
Operação Boca Livre (de apuração sobre desvios na Lei Rouanet). O relatório final
do inquérito da PF atribuiu ainda a 10 empresas cumplicidade com o esquema que
teria sido montado pelo Grupo Bellini Cultural, alvo principal da investigação. Foram
indiciados executivos das empresas Nycomed Pharma (Takeda), Grupo Colorado,
Cecil S/A, Scania, Roldão, Demarest Advogados e Laboratório Cristália.
Antonio Carlos Bellini disse à polícia que é inocente das acusações e que vai provar isso no processo.
Mas quem é Bellini e como ele adquiriu essa dimensão no mundo da cultura?
Mas quem é Bellini e como ele adquiriu essa dimensão no mundo da cultura?
"Versátil", apresentando projetos que contemplavam
da história do cavalo Mangalarga à “moeda quântica”; do clube Paineiras do
Morumbi à biologia e o design, o produtor paulistano foi responsável sozinho
por uma punhalada de credibilidade na legislação de incentivo à cultura. Ele
pode ter desviado mais de R$ 80 milhões em captações, segundo estimou
inicialmente a polícia.
Sua atuação é identificada a partir de 2011, quando a
estrutura de captação que montou começa a ser monitorada. Mas ele continuou
atuante até 2015, usando o seguinte estratagema: com 8 empresas diferentes,
apresentava uma profusão de projetos de aspecto respeitável (e texto nem sempre
cuidadoso). Muitas vezes, apresentava os mesmos projetos com nomes diferentes
por diferentes empresas.
Suas diferentes empresas (as mais atuantes eram Amazon Books
& Arts; Vision Midia & Propaganda Ltda; Pacatu Cultura, Educação e
Aviação; e Master Projetos Empreendimentos Culturais S/C Ltda) revezavam-se na
circulação dos recursos, segundo nota oficial do MinC, o que dificultava o
rastreamento das operações. A reprovação
das contas dos seus projetos não o angustiava, pelo jeito. Eram muitos com
contas desaprovadas.
Dentro do MinC, ele ficou conhecido pelo atrevimento. Mesmo
flagrado e tendo projeto recusado, ressurgia em outro momento com outra
proposta. Chegou a apresentar projeto para o Museu Nacional de Belas Artes, que
é federal (pertence ao Instituto Brasileiro de Museus).
Apresentava o mesmo projeto (e conseguia aprovação)
ligeiramente maquiado, sempre com um tom "altruísta" (atingir
públicos nunca antes atingidos, etc), e alguns deles pareciam obedecer um
roteiro pré-determinado de incentivo líquido e certo - por exemplo, os projetos
relativos a caminhões e caminhoneiros. Assim, chegavam ao MinC as propostas dos
projetos Teatro nas Estradas, Boleia de Caminhão, Arte para Caminhoneiros,
Caminhos de Caminhoneiro, Estrada da Cultura, Arte nas Estradas. Tudo consistia
exatamente na mesma coisa. Com essa estratégia, levantou da Scania Latin
America (somente pela Pacatu Cultura Educação e Aviação) cerca de R$ 3 milhões.
A facilidade com que a empresa liberava recursos para Amorim levou a Polícia
Federal a concluir que alguém de dentro da Scania o ajudava, o que terminou em um indiciamento.
Mas a reputação pessoal de Antonio Carlos Bellini Amorim não
é a de um picareta voraz. Pelo contrário: o maestro Julio Medaglia, que
protagonizou diversos projetos da Bellini Cultural, demonstrou tê-lo em alta
conta. "Todos os projetos que fiz com ele foram realizados
insuportavelmente corretos. É um homem civilizadíssimo. Para mim, também foi
uma surpresa a prisão dele. Pagava todos com correção, em dia, tinha grande
carinho pelos músicos. Eu me lembro de ele ter me contado que fora traído um
funcionário, na época, que estaria sujando o nome da empresa dele. Pediu que eu
o aproximasse da ministra Ana de Hollanda, que eu conhecia, para ajudá-lo a
esclarecer coisas. Não quero por a mão no fogo, mas não tenho queixas dele.
Tinha projetos nobres: salvar a água, ajudar as crianças. Sua empresa tinha um
rigor até insuportável na prestação de contas. Não entendo".
Entre os projetos com o maestro, Bellini captou recursos
para o show Concerto MPB Sinfônico, que levantou R$ 1,2 milhão pela lei de
incentivo (e está com as contas reprovadas). A empresa, a mesma Amazon Books, tem
certidões negativas de débitos vencidas no INSS, FGTS e débitos federais. Entre
2010 e 2011, a empresa apresentou novo projeto com o maestro, Sinfonia
Ambiental, para o qual captou R$ 904 mil. Também apresentou a produção da ópera
O Guarany, com a Filarmônica de Berlim sendo regida por Medaglia, agora
captando R$ 573 mil (mas esse projeto não foi realizado, segundo Medaglia).
Quando a empresa de Bellini completou 20 anos, organizou uma
festa na boate The People, em São Paulo, para a qual convergiram muitos dos
artistas dos quais produziu projetos. Não havia tema para o qual não
conseguisse levantar recursos. Pelas sinopses dos projetos, parecia que o que
menos importava era a defesa da atividade que iria desenvolver. Para o evento Um
Tributo ao Marechal Rondon, captou cerca de R$ 800 mil.
Tem uma fragilidade desconcertante na ação do produtor. A série para caminhoneiros do grupo de Bellini impressiona.
O projeto Boleia de Caminhão, da Master, pediu R$ 829 mil e foi descrito assim:
"Um palco itinerante atuará
como um agente cultural oferecendo 96 montagens teatrais e dissipando
gratuitamente arte e alegria para caminhoneiros, um público que encontra
dificuldade para usufruir de programações culturais".
Já pela
Pacatu, apresentou o projeto Arte para Caminhoneiros, descrito da seguinte
forma: "Promover a disseminação das artes cênicas por meio da realização
de 96 apresentações teatrais gratuitas para caminhoneiros, divulgando, dessa
maneira, essa manifestação cultural e facilitando o acesso desse público
itinerante, uma vez que a peça será encenada em uma tenda montada em postos de
combustível de 8 cidades diferentes, movimentando a cultura pelo país". As
contas desse segundo projeto, que captou R$ 812 mil, foram bloqueadas.
De novo,
pela Vision Midia, apresentou o Caminhos de Caminhoneiro: "Difundir a arte
teatral por meio de uma peça gratuita e itinerante, destinada a motoristas de
caminhões e carretas, que seguirá pelas estradas nacionais e será apresentada
em uma tenda que permanecerá em postos de abastecimento de combustível, onde se
encontram esses profissionais, facilitando, assim, seu acesso à cultura. O
projeto circulará durante 4 meses, de maio a agosto de 2012, totalizando 96
apresentações".
A falta de
limites de Bellini chamou a atenção. Ao montar uma festança de casamento do
filho, Felipe Amorim, e Caroline Monteiro, no Jurerê Internacional, em
Florianópolis, o glacê desandou. Chamou a atenção a ostentação (convidados
bebiam champanhe no gargalo em vídeo divulgado pela PF). O cantor sertanejo Leo
Rodriguez foi contratado por um cachê estimado em R$ 70 mil. A festa durou o
fim de semana inteiro.
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