O ministro interino da Cultura,
Marcelo Calero, escreveu artigo em O Globo no último dia 31. Eu li hoje.
Faz inicialmente um balanço pestilento
da pasta, até aí normal. Então ele escreve: “Ao chegarmos ao MinC, apresentamos
esse cenário caótico ao presidente Temer que, imediatamente, se sensibilizou”.
Vejo que, com frequência, os políticos
apostam na memória curta dos cidadãos. Mas ainda não tinha visto apostarem em
uma memória tão curta. Senão, vejamos: Calero não chegou ao MinC, o ministério
tinha sido extinto. Ficou 12 dias desativado em maio (um desperdício de R$ 13 milhões), o que talvez demonstre o assombroso
nível de “imediata” sensibilidade que o vice-presidente em exercício nutre pelo setor. O ministério só foi recriado por conta da massiva manifestação de
artistas de todo o País, um espectro que envolveu de Fernanda Montenegro a
Caetano Veloso, passando por Erasmo
Carlos (figura que, tradicionalmente, não se envolve em política). Manifestações pacíficas envolveram milhares de artistas e produtores.
Calero chegou todo sorridente,
indicado pelo olímpico prefeito Eduardo Paes, a alguma coisa que àquela altura substituiria
o MinC, uma secretaria de segundo escalão. Mas ele tampouco foi uma escolha
prioritária: 6 mulheres, antes dele, foram convidadas para o cargo e polidamente
recusaram, considerando que houvera negligência do atual governo em relação à
presença das mulheres no primeiro escalão e que não preencheriam uma cota por
mero oportunismo publicitário.
Primordialmente, o que distingue
Calero das gestões que o precederam é, até agora, uma característica evidente:
ele não saiu do gabinete a não ser para uma extemporânea visita à Turquia -
curiosamente, em dia de cabalístico golpe de Estado. Não recebe, não se reúne e
nem participa de fóruns públicos de artistas, parece não ter uma agenda externa
e demonstra certa alergia ao debate público. Circula em ambientes controlados.
“Queremos dialogar com todos os
segmentos, dos que se dedicam ao fazimento cultural local até a indústria de
ponta”, escreveu o mesmo sujeito que promoveu uma violenta reintegração de
posse no Palácio Gustavo Capanema (foto acima), soltando a polícia em cima de uma
intervenção artístico-ativista que ele mesmo tinha elogiado como criativa e
vigorosa.
Não é possível distinguir, nos
textos e entrevistas de Calero até o momento, algum insight de formulação de
política cultural. No MinC, tem se dedicado a alguma espécie de exorcismo
político. Demitiu todo mundo na Cinemateca Brasileira, mas recuou dias depois
após ser revelado que o nome que escolhera para dirigi-la tinha um histórico de
estelionato. Demitiu 88 pessoas no ministério, acusando “aparelhamento” - e parece
que boa parte estava lá havia mais de 15 anos. Nem precisava da justificativa
política, já que algumas secretarias ele nem ativou em três meses de trabalho,
caso da SPOA (Planejamento, Orçamento e Administração). Outras áreas ele
dinamitou, como a do Livro e Leitura.
Outra coisa que certamente o diferencia
é que agora tem dinheiro. As verbas que não chegavam nunca finalmente chegaram
até ele. Curioso, já que o Ministério da Cultura estava extinto justamente para
economizar e tornar o Estado mais enxuto, menos dispendioso. Era supérfluo, subitamente tornou-se opulento (assim como o que era defeito subitamente virou qualidade na política econômica).
A situação política é tensa, há
uma evidente crise de autoridade no País, as instituições estão em frangalhos,
parecem tuteladas por um sombrio pacto de varrição para debaixo do tapete. Mas
as pessoas têm que seguir a vida. Os produtores culturais que têm um
relacionamento mais estreito com o Estado precisam manter contato com o MinC de
Calero. O que assusta é que o atual gestor, com seu farolete burocrático (no
afã de “reconfigurar modelos de gestão”) e a vaidade revanchista, demonstra
acreditar que não é somente um agente do Estado brasileiro (em última instância
um instrumento a serviço do bem-estar da coletividade), mas seu tutor privilegiado e sua
própria finalidade.
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