Uma
esquelética angústia escorre dos solos de guitarra do Tinariwen, o mais famoso
dos grupos tuaregues a sair do Saara e ganhar o mundo.
É
intrigante, porque não é uma música que admita heroísmo, que admita idolatria, que
se ofereça a duelos ensaísticos. É uma música desencarnada, feita de núpcias e
funerais, batizados e despedidas, festa & recolhimento. Zen, haicaística,
guitarras que soam como cítaras, divisões rítmicas que entram nos ossos.
Seu blues
arqueológico, melancólico e circular, a percussão mântrica e complexa, o canto
de impacto sagrado, gospel dedicado a um Deus que parece mais antigo que a
religião: tudo neles é invulgar e espiritual, uma música que não precisa de
justificativa.
Lançando
um disco, Live in Paris, e regressando à América do Sul para o Lollapalooza (só
para a edição chilena, infelizmente), é quase inevitável a questão: quanto de
refinamento tecnológico encobre agora a sua rusticidade malinesa original,
aquela das casas de barro embranquecido de Timbuktu e Bamako?
Live in
Paris é um teste de contaminação: em meio a agentes influentes, engenheiros de
som à disposição, estúdios high tech, amados agora por Robert Plant, Thom
Yorke, Mick Jones, Metallica, Flea, Santana, Henry Rollins e com um leque de
prováveis convidados no menu, o que sobrará do Tinariwen?
O Castelo
da Pureza, sabemos, não existe, e nem era nele que vivia Ali Farka Touré (o
mestre do Mali gostava de salientar isso). O Tinariwen (Ibrahim, Alhabib,
Touhami, Hassan e Abdallah) foi expulso do Mali por extremistas muçulmanos, que
prometeram cortar seus dedos se ousassem tocar suas guitarras de novo. De
nômades do deserto, sua nova condição de exilados permanentes foi-se grudando em
seu som, que foi se tornando mais e mais melancólico, embora admitindo o êxtase
ocidental da plateia como parte de sua performance – isso é audível no álbum.
Daí
porque alguns minutos dentro do seu Live in Paris, via Spotify, tenham sido
suficientes para dizer apenas o seguinte: a caixa de ressonância do Tinariwen
amplificou-se gigantescamente. Acompanhados da veterana cantora Lalla Badi, de
75 anos (uma rara voz feminina no seu tipo de som), eles gravaram esse show em
dezembro de 2014 e lançaram em dezembro de 2015. São 12 faixas, todas com uma capacidade de movimento espantosa, como dunas em fuga.
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