Preto no Branko
Em janeiro, esteve em São Paulo o produtor e músico português Branko.
Ele se apresentou no Meca Festival e também veio bater papo com os estudantes
da Red Bull Music Academy 2015.
Branko é o cérebro e o fundador da Buraka Som Sistema, que ajudou a popularizar o estilo angolano kuduro. A banda foi criada em 2005 e gravou quatro discos. Também ganhou dois MTV Music Awards e um Globo de Ouro.
Branko também manteve contatos em estúdio e gravou com músicos
brasileiros, como o MC Bin Laden. Ele está rodando o mundo em um processo de criar
um disco colaborativo, e tinha rodado (ou pretendia rodar ainda) por Amsterdã
(Holanda), Cape Town (África do Sul), Nova York (Estados Unidos) e São Paulo. Gravou
com o rapper sul-africano Okmalumkoolkat. Este mês, reinicia turnê com o Buraka Som Sistema.
Branko acredita em projetos coletivos e leva adiante um interessante chamado Enchufada Music, selo que abriga diferenças. É um provocador da nova geração da música européia. Nós conversamos no começo de fevereiro, mas a entrevista ficou inédita até agora. Eis uma seleção de algumas idéias de Branko.
O KUDURO ESGOTOU?:
“O que acontece é que o kuduro é uma porcentagem de um gênero maior. Não
faz sentido diferenciar esse de todos os outros ritmos. A nossa atitude não é a popularizar ou vampirizar: nós estamos interessados em coisas que tenham algo de original para
oferecer para a música internacionalizada. O kuduro é resultado de muitas coisas, e essas coisas
não estão diretamente relacionadas com o que acontece em Nova York e Londres.
Está assentado em outras bases. Mas agora o kuduro já se alastrou e nós temos
de buscar outras coisas para incorporar à nossa música. O gênero já foi ‘traduzido’
em diversas linguagens. Eu não considero que seja fundamental fazer algum tipo
de antropologia musical, eu somente busco gêneros que sejam interessantes como
instrumentos de transmissão. É preciso encontrar formas de como vocalizar os
temas, que continuam crus e originais em sua origem, mas que acham outras vias para entrar na
vida das pessoas em todo o mundo.”
O RAP
“Uma das minhas tarefas no Planeta Terra, eu acredito, é agarrar esses
ritmos que têm uma cadência similar e chamar a atenção das pessoas para novas
direções. Uma dessas formas é o rap. Ele pode conduzir as pessoas e levá-las a
novas experiências musicais”
O FUNK CARIOCA
“Sempre me agradou a atitude e a crueza do funk. Há uma certa separação
entre as suas diversas formas no Brasil. Fora do Brasil, o funk nem sempre
fazia sentido no começo, e acabou por cansar as pessoas. Era muito dependente
da picardia das letras, da erotização. Mas ele se espalhou bastante, ampliou
suas bases, abarcou pontos mais interessantes. Essa renovação terminou por
dar-lhe um novo interesse. Há diversas novas formas, como o rasteirinha, que é
mais lento e cadenciado. Estou também interessado num DJ de Vitória (ES), o R7.
Estão abrindo uma nova porta de passagem para o funk”.
LISBOA CIDADE ABERTA
“Eu concordo (com a tese de que Lisboa é uma das cidades culturalmente
mais interessantes da Europa hoje). Acho que isso tem muito a ver com a crise
econômica que atravessamos. Nessa época, em vez de investir em algo útil, a
classe alta de Lisboa comprou Mercedes, BMW, houve uma perda grande de valores,
uma futilização da vida. Acho que isso levou a uma quebra de parâmetros na
juventude, agora estão em busca de outras coisas. A realidade econômica
difícil, paradoxalmente, levou a uma efervescência social e cultural maior do
que a que tivemos nos anos 1990. Naquela época, como havia dinheiro de sobra,
não havia necessidade de falar, de reclamar, de se expressar. Houve agora uma
revolução cultural, musical, que é forte, que se identifica na necessidade de
se criar uma personalidade única. Acho que há outros países de língua
portuguesa passando por isso nesse momento, e o Brasil e Moçambique são dois
deles. Hoje, vendem-se mais ingressos para espetáculos em Lisboa, há muita agitação,
e eu fico feliz que Lisboa esteja encontrando seu próprio espaço na cena cultural do mundo”.
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