sexta-feira, 3 de outubro de 2014

SEU JOÃO




Chegou da Paraíba com a mulher e 12 filhos em meados de 1967. 
Foi morar lá pelos lados da Vila Sete, um irmão que se dera bem no comércio agropecuário o ajudou a alugar uma casa.
Tudo que possuía era um revólver, que trocou por uma égua. Depois, trocaria a égua por umas cabras e uma bicicleta velha. Com esse escambo contínuo, criou os 15 filhos (três nasceriam depois).

Nunca foi empregado de ninguém. Nunca o ouvi dizer “sim, senhor!”.
Só entrava em igreja forçado, em geral porque tinha de casar alguma filha.
Ninguém entendia mais de veterinária que ele. Curava garrotilho com óleo queimado e costurava cavalos com o peito aberto pelo arame farpado com agulha e barbante.

Uma vez, um pastor com uma Bíblia sob o braço desdenhou de uma mula manca que ele tentava vender na feira. Ele bufou e seus olhos azuis ficaram coléricos. Até Lampião correria dele nessas circunstâncias. Eu estava sentado na charrete. Ele enfiou a mão por baixo do pelego vermelho e tirou um revólver de cabo de madrepérola. O crente começou a correr e sumiu da feira, deve estar correndo até hoje.

Nunca fumou e nunca bebeu nada alcoólico.
Criava cavalos em plena área urbana.
Era um problema: os cavalos derrubavam as cercas de madeira e cagavam nas calçadas, e os vizinhos costumavam nos odiar.
Os cavalos pastavam nas datas (que é como chamam os terrenos baldios lá no Norte do Paraná) durante a noite, de manhã a gente ia buscá-los. A gente ficava com as pernas cortadas pelas navalhas de capim colonial do galope doido no meio das quiçaças.

Uma vez, algum ladrão levou seus cavalos e ele passou semanas procurando.
Seguia pegadas, perguntava, assuntava, corria todos os bairros e os patrimônios.
Até que um dia sumiu por 2 dias. Quando voltou, vinha montado num dos cavalos roubados e trazia um homem amarrado à sela por uma corda. O homem vinha caminhando. Acho que localizou o cara lá pelos lados de Vidigal. Entregou o homem na delegacia e recomendou ao delegado que não o soltasse, porque seria pior para ele.
Sempre me pareceu um sósia do Lee Van Cleef.

Por volta dos 85, 87 anos, caiu de um cavalo durante um passeio equestre na sua cidade.
Costumava voltar todo ano do passeio com um troféu, mas dessa vez o cavalo que levara era meio chucro e o pegou desprevenido. Foi a primeira vez em toda sua vida. Ele desabou e, na queda, teve um AVC. Ficou entre a vida e a morte. Entubado e magro como um palito. Os médicos da cidade o desenganaram.

Mas seu apego à vida revelou-se maior do que à morte.
No Natal, já estava de pé de novo, dançando com as meninas da família na sala, o chapéu sempre grudado na cabeça.

Havia um mito de que seria descendente de holandeses, mas jamais conseguimos ir muito longe na reconstrução da árvore genealógica.

No último Ano Novo, ele me surpreendeu e aceitou uma taça do vinho que eu estava tomando.




(escrevi esse texto no blog antigo, há uns 6 ou 7 anos, mas o blog foi deletado pelo servidor e então eu tentei reescrever de cabeça; achava que estava faltando algo aqui).

3 comentários:

Marcelo Medeiros disse...

Muito boa sua memória, tivemos ainda alguns encontros com ladrões de cavalo e quando papai suspeitava que eles estavam agindo, dormíamos por semanas no meio do mato tocaiando os cabras!

el pájaro que come piedra disse...

Verdade. Estou mijado até hoje!

aas. disse...

nossa joâo voce realmente e o el passa que ccome piedra muito seu comentario voce è genio sim joâo eu gostaria que aquela foto que o teu colega de trabalho