quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

FACA NO BOLSO




No show hiperlotado dos Racionais, há duas semanas, uma menina baixinha com uma bunda de circunferência boteriana passeava pela plateia.


Tava todo mundo espremido, mal dava para respirar.

Quando a garota se aproximava, parecia aquelas cenas do King Kong quando você sabe que o King Kong está chegando porque as árvores na floresta começam a cair.

Como se as palmeiras fossem sendo sugadas para o chão.

A menina veio e, por uma malfadada confluência dos astros, queria o meu lugar.

Ela me empurrou de encontro ao ventilador e eu resisti. Fiquei frio, fiquei frio, até que perdi a cabeça de novo.

Peguei a gordinha, ergui a garota do chão e a depositei na grade do pé do ventilador, longe de mim.

Não xinguei, apenas disse: “Garota, você não sabe que não dá para dois corpos ocuparem o mesmo lugar no espaço?”.

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No réveillon, vivemos uns momentos tensos com uma gangue de craqueiros na praia. Eles invadiram a casa vizinha. Acenderam seus cachimbos e me encararam. Eu fiquei deitado na rede, e também os encarava de uma distância de uns 100 metros.

Eles não nos fizeram nada, nossa paranoia é que criou a paúra.

Por um instinto antigo e inacreditável, eu coloquei sorrateiramente uma faca no bolso.

Fiquei com aquela faca no bolso do calção até a hora dos fogos do Ano Novo.

Até me esqueci dela e, quando sentei no barco, ela me espetou a barriga.

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Aquela faca no bolso me lembrou um dia em que saímos para tomar banho no rio.

Eu e meu irmão Jack. Tínhamos uns 12, 11 anos.

Estávamos na represa, apareceu um cara alguns anos mais velho, puxou conversa.

Quando voltávamos para casa, o cara também resolveu voltar.

Eu ia um pouco mais à frente, ele vinha atrás, conversando com meu irmão Jack.

Daí, quando estávamos subindo o morro da linha férrea, escutei um grito.

Olhei e meu irmão Jack estava se protegendo com a camisa dos golpes do cara, ele tinha uma faca de Farinha Nita nas mãos.

Farinha Nita, olha no Google, era uma farinha de trigo que premiava a dona de casa com uma faquinha no pacote.

O cara insultou o Jack e o Jack lhe deu um chute na canela.

O cara tentou esfaqueá-lo e eu peguei umas pedras entre os dormentes dos trilhos e mandei uma pedrada no cara.

Enchi as mãos de pedras, aquela pedra britada meio azulada, e o cara recuou.

Jack, a essa altura, já estava armado até os dentes com pedras, e queria revanche.

Eu disse: simbora, Jack, o cara tem uma faca.

O malaco ficou com medo e foi se embrenhando no mato, enquanto a gente o crivava de pedradas.

(vimos depois que a primeira facada chegou a rasgar a camiseta, usada como escudo).

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Tenho um pavio curto de origem genética (sempre acho desleal culpar o velho por minhas pequenas maldições, mas já que ele não está em condições de retrucar...)

Sinceramente, eu detesto briga, mas parece que tenho um imã.

Não suporto também essa ideia de que “sujeito maduro não reage, essa é a grande atitude superior”.

Minha epopeia civilizatória não conseguiu me convencer disso até hoje.

O sujeito indiferente é que não reage. Eu não sou indiferente.

“Certos ódios honram mais do que a solidariedade”, escreveu Álvaro Lins, um polemista que descobri recentemente.

Mas ando passando dos limites. Na semana passada, tretei na Avenida Henrique Schaumann com um Ford Ka. Foi feio.

Ninguém se orgulha dessas situações em que o sangue fala mais alto que a razão, eu acho.

Fica aquela boca seca, mistura de raiva e medo, um céu amarelo eternamente refletido na água do oceano no meio da noite.

Já briguei de soco no futebol das segundas com um troglodita das peladas que hoje é comentarista de futebol na TV. Continua troglodita, pelos comentários.

Fiquei com um olho roxo e uma mistura de vergonha e inexplicável saciedade.

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O fato é que não consigo mais deixar para lá certas coisas, especialmente a ignorância.

Vejam bem: não estou defendendo nenhuma violência, apenas examinando as suas emboscadas.

Outra coisa que notei é que não tenho feito mais esforços para ser diplomático com os malucos paranoicos que invadiram os fóruns de debates da minha vida.

E por isso que ando com certa marra do Facebook e sua profusão de imagens narcisistas, suas correntes políticas reacionárias.

E sua inutilidade dialética - ninguém ouve ninguém mas todo mundo quer ser ouvido.

Essas “revoltas” orquestradas, o discurso que não tem eco porque é feito de bandeiras vazias.

Há alguns que se arvoram tão puros que seu discurso quase desemboca no elogio da vida monástica.

Parece que querem freiras para timoneiras do mundo.

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Em Londrina, em 1982, num tempo pré-internet, as rematrículas para a UEL só podiam ser feitas se você recebesse um formulário pelo correio.

Para receber o formulário bendito, tinha de estar com as prestações da universidade em dia.

Eu nunca estaria, até o final da faculdade. Devi até o final, quando um amigo me ajudou com um empréstimo para retirar o diploma e conseguir um emprego.

Nos primeiros semestres, achei que teria de trancar, parar de estudar.

Então, me ocorreu uma ideia: na Casa do Estudante, onde eu morava, havia alunos que abandonaram o curso e voltaram para casa.

Ainda assim, eles recebiam seus formulários.

Eu surrupiava formulários de outros e fazia minha rematrícula.

A universidade demorava para descobrir, e quando descobria já estávamos lá pelo terceiro mês de aulas.

Foi assim que eu estudei nos três primeiros semestres, até que personalizaram os formulários e tive de mudar minha estratégia.

Me fizeram lembrar disso outro dia no cafezinho. Fui expulso da Casa do Estudante, mas não foi por pavio curto: foi por uma mistura de ativismo político e febre anarquista.

Estão arrumando uma reunião dos ex-moradores da UEL lá no Paraná, me convidaram. Achei bonito, mas estarei muito longe. não vai dar mesmo.





PS: Andei afastado daqui porque não conseguia mais encontrar o login do velho blog.
Pensei: será que eu o abandonei deliberadamente? Não pode ter sido ele a me abandonar antes?
Vou reativá-lo, ele tem sido libertador em anos recentes.



3 comentários:

Anônimo disse...

já te disse que eu?

Colégio Santa Felicidade disse...

Faca no bolso! Gostei muito, Jotabê, do título, da escrita, da ilustração, das ideias. Obrigado.

Anônimo disse...

Jotabê, tome cuidado, as pessoas estão cada vez mais de pavio curto, fique de boa, deixe prá lá essas coisas todas, é mais saudável.