sábado, 19 de maio de 2012
PLANTÃO DE POLíCIA
tava na delegacia fazendo um boletim de ocorrência e chegaram três pessoas no balcão: um homem de barba, uma mulher de coque e uma menina.
a escrivã só olhou, mas o homem, que era educado e humilde, indagou se podia perguntar uma coisa.
deixaram que falasse.
ele mostrou um documento, disse que era uma autorização de transporte de um corpo de são paulo até pernambuco.
disse que se tratava de um andarilho.
o problema, ressaltou o homem, é que lhe disseram que, como o homem morreu no HC e não tinha documentos, só fora reconhecido pela mulher que ali estava, sua irmã, que viera de pernambuco.
ele queria saber como proceder para obter o visto policial na autorização.
a escrivã respondeu que não havia delegado de plantão, que ele teria de ir até o 91 distrito policial que lá um delegado o atenderia, mas que não podia garantir que seria autorizado.
"em geral, não há problema, já que houve o reconhecimento. o que diz no óbito?"
o homem abriu o papel e procurou, correndo o dedo sobre o papel.
"aqui diz: pneumonia. e sín.. sín.. síndrome...."
o escrivão o interrompeu: "então, o delegado vai ver isso para o senhor. ou então o delegado aqui do DP chega em duas horas. o sr. quer voltar em duas horas?"
o homem olhou para a mulher, que não soube o que dizer, mas a menina ficou exasperada.
"duas horas não, mainha! vamos lá para a outra delegacia".
tudo não durou mais do que três minutos.
pensei na mulher que viera de pernambuco para levar o corpo do irmão que morreu na rua.
pensei no sacrifício que aquilo imporia para a família.
pensei no cara morto, que o homem chamou de "andarilho".
quanto tempo viveu na rua?
quem ligou para a família? quem sabia que ele tinha família?
pensei que talvez o meu problema não fosse assim tão grave, afinal.
a duas quadras dali, a cidade fervia nas esquinas da mourato coelho com aspicuelta.
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