segunda-feira, 28 de maio de 2012

DRÃO



manifestante em frente ao clube militar do rio, durante ato contra celebração do golpe militar por oficiais e soldados

foto: marcos de paula/ae






Quando Gil começou a planejar com Julinho Bressane uma viagem por um deserto, Sandra até pensou em acompanhá-los. Porém, acabou concluindo que o pequeno Pedro, então com pouco mais de seis meses de idade, não teria condições de participar da aventura. Assim, Sandra decidiu ir ao Brasil com o filho, para apresentá-lo à família e aproveitar um pouco o verão. Afinal, imaginou, não tinha problema algum com os militares ou a polícia brasileira.


Já no Rio, depois de ter encontrado Dedé e Caetano em Salvador, Sandra não desconfiou de nada quando uma garota que conhecera no show de Gal Costa foi à casa de sua avó, minutos antes da saída para o aeroporto, pedir que ela levasse uma carta até Paris. Assim que entrou na área de embarque do Galeão, Sandra foi logo interceptada por policiais, que agiram como se já soubessem que ela tinha algo na bolsa. Assinada por detentos da penitenciária de Santa Cruz, a carta era, na verdade, dirigida a Caetano e Gil. Nela, os prisioneiros pediam aos dois exilados que ajudassem a denunciar as torturas no país, incluindo nomes de várias vítimas.

Sandra foi detida na hora e levada a uma sala do aeroporto, junto com o filho. Ao interrogá-la, os policiais a trataram como uma típica militante: queriam saber a que organização ela pertencia, suas ligações e atividades políticas. Com medo de que o caso fosse uma armadilha para prender Gal, Sandra achou melhor esconder como conhecera a garota que lhe dera a carta. Sem obter informação alguma, os sujeitos levaram a garota e seu filho para uma espécie de cela, que ficava embaixo da pista do aeroporto. Quando disseram que iriam levar Pedro para entregá-lo à família, Sandra resistiu. Disse que o filho nascera em Londres e exigiu a presença de alguma autoridade do consulado britânico.

O calor e o barulho na cela eram infernais. Sandra passou boa parte do tempo dando banhos em Pedro, numa pequena pia, com medo de que ele ficasse desidratado. Além dos ruídos da pista do aeroporto, Sandra chegou a ouvir gritos de presos, torturados em outras dependências do lugar. Apavorada, depois de pedir algumas vezes aos guardas que a deixassem ir ao banheiro, despertou novas suspeitas. Levada a uma sala, quando viu o pau de arara, Sandra entrou em pânico. Primeiro, os policiais ameaçaram torcer o braço de Pedro. Depois, disseram que Caetano seria preso novamente por causa da carta:

_ “Entrega o que você tem aí”, gritavam, achando que ela teria alguma coisa escondida no corpo.

Já aos prantos, Sandra ainda tentou uma última cartada:

_ “Vocês não sabem com quem estão mexendo. Minha família toda é de militares”, disse, antes de ser violentada.

(trecho do livro TROPICÁLIA, A HISTÓRIA DE UMA REVOLUÇÃO MUSICAL, de carlos calado, editora 34, 1997)
 
 
PS: Postei esse trecho do livro do Calado, um livro sobre música, para jogar alguma luz sobre a questão da Comissão da Verdade. Há uma tese sendo vendida em jornais e revistas de que homens como esses aí, que torturaram e violentaram Sandra, então mulher de Gilberto Gil, estavam defendendo o País do iminente domínio de uma "ditadura de esquerda". Não sei quanto a vocês, mas para mim, gente como esses sujeitos, que agiram impunemente durante 20 anos no País, não estava defendendo o País de ninguém, era apenas um bando de criminosos. Quando alguém vier esgrimir estatísticas de "combate" no período da ditadura, podem ter certeza de que está apenas querendo acobertar fatos como esse descrito pelo Calado. Ou ocultar sua própria responsabilidade (ou a de seus patrões) em crimes dessa natureza. 

3 comentários:

Ana Paula disse...

João,

Chega a ser surrealista o que esses militares afirmam com a maior cara-de-pau. Prenderam, humilharam, torturaram, mataram os que se opuseram ao Golpe e ainda foram "anistiados". A Comissão da Verdade é imprescindível para tirar essa trava de impunidade que só persiste em nosso país. Beijo grande.

el pájaro que come piedra disse...

Tornaram o Estado, que deveria representar o povo, um refúgio de todo tipo de banditismo.
Quando o Estado se vale da ilegalidade, isso é um crime contra a humanidade. Não há "estatística" que possa mensurar isso, porque as estatísticas da época foram manipuladas pelo banditismo oficial.

Ana Paula disse...

Infelizmente, sofremos as consequências dessa opressão até hoje: a polícia sempre me dá mais sensação de pavor do que de segurança, ainda que não tenha nada temer.