terça-feira, 7 de setembro de 2010

BIFE DE BRONTOSSAURO


cartum de lourenço mutarelli










vômito no banheiro, traficantes delivery, um piano mal dedilhado, apatia, indiferença.
seis putas em cena, três do passado e três do presente.

para esses caras, tudo que há adiante, seja no retrovisor ou no parabrisas, é um relacionamento de programa, com hora para começar e para terminar, sem envolvimento, sem a permissão dos afetos.

música para ninar dinossauros foi ensaiada em um mês ou pouco mais, após seu autor, mário bortolotto, levar quatro tiros de um assaltante com o qual se atracou na praça roosevelt.
por conta das circunstâncias em que foi produzida (o dramaturgo baleado, um ator renitente), fiquei espantado com sua concisão.
mais espantado ainda fiquei com o desempenho do lourenço mutarelli, que parece ter nascido no teatro.
eu me lembro do mutarelli sempre tão tímido, se esgueirando pelas livrarias, pelos bares.
está absolutamente à vontade no palco.

já me perguntaram porque gosto do trabalho do bortolotto, “se ele é tão tosco”.
levei dia inteiro pensando nisso.
a primeira explicação é fácil para mim: gosto pq me parece um equivalente teatral do punk rock, algo que não existe igual.
ou, pelo menos, ele é o equivalente teatral daquele princípio original do punk rock, o do it yourself.
“faça você mesmo”.
é como nas narrativas sobre os primórdios do CBGB, quando batiam à porta do clube siderados como ramones e television pedindo para espancar seus três acordes por ali.

o mário deplora preparação de atores, processos investigativos, teorização.
ele parte do nada para fazer o que os outros só fazem com muito.
inventou sua dramaturgia, inventou seus atores, inventou seus iluminadores.
nos primeiros anos, como ele mesmo definiu, era “teatro de guerrilha”, não tinha cenário, não tinha roupa, não tinha nada em cena.

mas não tenho problema nenhum em não gostar de uma peça dele, e gostar demais de outra.
gosto demais de efeito urtigão, tão curta e básica.
ainda não sei dizer se gosto ou não de música para ninar dinossauros, três dias depois de ter visto.

não acho que música para ninar dinossauros seja um bom retrato de geração.
na verdade, é antigeracional.
é produto do mais violento individualismo (“não posso causar mal nenhum a não ser a mim mesmo”, dizia o lobão naquela música dos anos 1980).
não é possível visualizar um período pelas músicas, já que o marião continua colocando para tocar só aquilo que mais gosta.
não é possível identificar um período ou um espírito de época pelas palavras, porque zed, treta e igor (seus personagens) falam igual, vestem-se igual, bebem a mesma coisa – seja no recorte do passado ou do presente.

mas, não se pode negar, é grande balanço existencial.
é o mário reafirmando seus princípios, que não têm muito a ver com esperança e otimismo, mas com sinceridade.

mário bortolotto é um ser gregário, embora pareça o contrário disso.
vive cercado de amigos fiéis (vejo o vídeo do danny boy no youtube e acho muito bonito, as imagens na fila do teatro, o iluminador, o bactéria espalhando os livros na mesa).
foi pelos amigos que se atirou sobre um sujeito armado.

no centro cultural são paulo, na sexta, o vinil estava riscado, e não era parte da peça. eu pensei: um disco riscado é muito melhor do que uma música ruim.
daqui a um mês eu volto a pensar em música para ninar dinossauros.

10 comentários:

Mário Bortolotto disse...

Fala, Jotabê. Não sabia que vc tinha ido ver. O disco não tava riscado não. É que o assoalho tava foda e gente tinha que colocar algum peso pra firmar o toca-discos. Então quando as pessoas andavam, pulava o disco. Tocou até "Something", porra. No sábado a gente acertou isso. Grande abraço.

Anônimo disse...

Porra, falar que o Muta tava bem em cena é sacrilégio. Ele é ruim pra caralho como ator.

el pájaro que come piedra disse...

Falaê, Marião!

Fui ver na estreia, e o Bactéria até me fez preço especial na bilheteria!
Foi duca, grande noite!
Ainda vou escrever um ensaio decente sobre a peça, mas preciso rever. O Muta está brilhante! Nada menos que brilhante! (o Picanha também, mas eu já conheço o Picanha; e o garoto que faz o Zed jovem, que não conheço, também está afiado).
Abráulios!

Mário Bortolotto disse...

Pode crer. O Muta tá bem pra caralho. O foda é ficar vendo "anônimos" dizendo que ele tá mal. Fácil ficar no anonimato falando merda. E o Zed jovem é o Carcarah que aliás também desenha pra caralho. O cartaz da Mostra é dele. Grande abraço.

el pájaro que come piedra disse...

Porra, dois desenhistas do Topo do Mundo na mesma peça? E os dois dando banho de teatro?
Cara, vc é mesmo sortudo! Eu nunca tinha visto o Carcarah, só conhecia os desenhos.
Tem uma ironia fina no Muta que é foda. Puta surpresa!

Anônimo disse...

Ei.... o q foi aquele seu artigo sobre a IVETE no madison? Voce SUPER traduziu errado e ta fazendo os brasileiros acreditarem no que vc falou....

Anônimo disse...

Acho que como jornalista, voce deveria saber o que eh NEUTRALIZACAO de opinioes. Moro nos EUA e estudo Jornalismo aqui e vejo que triste saber que nosso Jornalismo no brasil anda tao barato! TRISTEZA VIU?

el pájaro que come piedra disse...

Colega Anônimo, que parece que é fera do jornalismo nos US, faça-me um favor: continue escrevendo seus ótimos artigos no Post, na New Yorker ou no NYT (porque parece que português você não escreve), e deixe esse modesto blog para os amigos e colegas do articulista, ok?

Anônimo disse...

nao me desculpa, escrever portugues eu sei.. o problema seria meu teclado nao ter acentos. deve ser por isso que reclama tanto do meu portugues. nao estou criticando o blog do seu "amigo" justamente pelo fato de nao saber nada da carreira do mesmo. So nao aceito a banalizacao de opiniao propria fingida em opiniao dos outros. Vamos parar de enganar a populacao brasileira e comecar a criar um jornalismo mais agradavel?
peco milhares de desculpas pela falta de acentos e do cedilha. mas como disse meu teclado nao possui caracteres em portugues.

el pájaro que come piedra disse...

Tudo bem, Anônimo, não leve a mal meu tom escrachado. Aceito suas desculpas. E compreendo sua preocupação com a relativização, talvez tenha mesmo razão.