segunda-feira, 9 de agosto de 2010
CRUNCH
Ando um tanto espantado pela incompreensão em torno da figura de Robert Crumb.
Vejo a histeria em torno do velho cartunista e sua lenda de "cultural icon", e me pergunto quantos ali conhecem de fato sua obra.
Não que a controvérsia não seja parte de seu destino. O crítico de arte Robert Hughes disse dele : “Crumb é o Brueghel do século 20.” Em um artigo na Salon, Steve Burgess rebateu: “O Brueghel de nossa época ou o porta-voz de uma visão juvenil encarcerada?”.
Eu fico com a avaliação de Hughes: não consigo encontrar um artista popular com tanta influência quanto Crumb na segunda metade do século passado.
Não lembro de alguém, antes dele, traduzindo num desenho falsamente tosco o barulho e o caos dos subúrbios, a deterioração da vida social em meio ao sonho americano, o ronco dos subúrbios, os congestionamentos e as farsas espirituais.
Já ouvi gente dizendo que ele é um "chato", e que "estragou" a grande mesa de debates na Flip.
Ora, nunca me passou pela cabeça que Crumb se prestaria ao papel de lustrar prestígio de uma feira de escritores (e principalmente editores) nos trópicos. Ele é o antibabaovo por excelência. O equívoco foi de quem o colocou nessa fria.
Em 2005, Crumb lançou em NY (com Peter Poplaski) uma autobiografia, The R. Crumb Handbook. Não saiu no Brasil. É esclarecedora em todos os sentidos. É fundamental para se compreender o ranzinza mais impressionante do pop.
“O que nós crianças não sabíamos é que vivíamos numa cultura comercial, de commodities. Tudo à nossa volta estava à venda ou sendo comprado. Como americanos de classe média, nós crescemos basicamente num set de cinema. Os valores conscientes que carregávamos eram parte de uma cena. A mídia fazia o papel maior, sem que ninguém percebesse: a criação da ilusão. Estávamos cercados pela ilusão, por contos de fada criados de forma profissional. Só esparsamente mantínhamos contato com o mundo real. A mídia massiva estava em desenvolvimento recente, tão recente quanto a Revolução Industrial, e se espalhava pelo mundo tornando aquilo que antes era independente, tribal, em populações de consumidores. Somos produtos dessa cultura da commodity industrial. Vivendo numa cultura como essa, você tem de fazer escolhas, e procurar aquilo que tem o mais autêntico conteúdo ou substância. Nos anos 60, quando experimentei o LSD, eu me dei conta que a mente era um grande cesto de lixo das imagens da mídia”
“Dana e eu começamos a experimentar LSD, que ainda não era ilegal em 1965. Eu tomei ácido como um tipo de substituto do suicídio. A partir de 1967, eu me tornei um maconheiro regular, todo dia fumava”
“A literatura beat me deu um ponto de vista alternativo a respeito de viver na América que não aquele de nossos pais, da escola, da TV, ou da revista Life. Antes de ler os beats, a única alternativa eu tinha era a Mad de Harvey Kurtzman e as revistas Humbug, ou os discos satíricos de Stan Freberg. Nas primeiras tiras, tipo Fritz Bugs Out, eu estava me divertindo como um pseudo Jack Kerouac universitário (decalcado do ridículo livro de Richard Farina, Been Down So Long it Looks Like Up to Me), o tipo de cara enfiado num suéter surrado de gola rolê que concentrava uma imagem de vagabundo hipster que poderia atrair jovens e românticas garotas de classe média para fora de suas casas ajardinadas. Eu era muito amargo, observando quão bem funcionaria esse ato sobre garotas”
“Eu tinha 25 anos de idade quando tudo aconteceu. Foi um caso de “tudo ao mesmo tempo agora”. Eu tomei rapidamente consciência do que se passava. Eu era algum tipo de “porta-voz” para os hippies ou algo do tipo. Eu não tinha ideia de como administrar minha nova posição na sociedade. Ainda estou trabalhando nisso, essa é a verdade. Pegue Keep on Truckin’, por exemplo. Keep on Truckin’ é a maldição da minha vida. Esse pequeno cartum estúpido apanhado em sua plenitude! Havia um DJ numa rádio dos anos 70 que grunhia a cada 10 minutos: ‘And don’t forget to KEEP ON TRUCKIN’...’ Cara, aquilo era nauseante! Pés grandes são iguais a otimismo coletivo. Você é um garoto com o pé na estrada! Você está cruzando a linha! Isso é proletário! Isso é populista! Fui jogado para fora da trilha. Eu não queria me tornar uma espécie de artista-cartão-de-visitas da contracultura - aquilo que Lenny Bruce advertia que nos poderia acontecer. Foi então que eu comecei a soltar todas minhas fantasias sexuais perversas. Era o único caminho de cair fora dessa coisa de O MAIS AMADO CARTUNISTA HIPPIE DA AMERICA. E funcionou. Snatch and Big Ass Comics fez muitos deles darem meia-volta rapidamente!
“O trabalho e a carreira do poeta Charles Bukowski são o melhor exemplo. Eu o conheci através de Robert Williams em uma festa em Los Angeles no início dos anos 1970. Ele me deu um conselho. Disse: “Seu bagulho é bom, garoto. Apenas se mantenha longe dos coquetéis de lançamento!”. Ele tinha razão. Bukowski observou que artistas de sucesso e escritores eram engolidos por toda a badalação, especialmente aquela que vem de gente rica, burguesa, gente que não tem nada a dizer. Eles só querem comprar você, basicamente. A última coisa que eu quero é ser alguém que está constantemente tendo o saco puxado, e depois sendo cuspido como alguma hedionda celebridade. Juro, eu sempre quis ter reconhecimento pelo meu trabalho, mas prefiro apenas ser um observador anônimo fora do foco”
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5 comentários:
Caro Jotabê,
Esta autobiografia não é o que foi lançado pela Conrad chamado "Minha Vida"? E tem também aquele filme "Crumb" que é bem elucidativo sobre o cara.
Abraços
Carlos Pereira
Jota que raio x fudido de nítido!
Carlos, a biografia da Conrad é um pot-pourri de várias obras do artista, inventada aqui pela própria editora. Não é o R.Crumb Handbook, que foi compilado, organizado e tem artigos escritos pelo próprio artista, além de admiradores e colegas. É outra obra, muito mais completa e fundamental.
J.
Véio do caralho! Só faltou trazer as crumbianas para o nosso deleite.
Abraço!
Alemão
Esse cara sabe das coisas!
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