sexta-feira, 8 de maio de 2009

A RUA QUE TINHA NO FINAL DA RUA



















João Gulumita vinha chutado pela Avenida 9 de Julho, o hálito empapado de quatro margaritas – com limão demais, registre-se – que tomou no El Kabong. O Fox preto subiu um pouco na calçada do América e quase se esborracha no canteiro da avenida, mas ele segurou a onda. Ligou o limpador de pára-brisas traseiro sem querer e não sabia mais como desligar (acabou acionando também o desembaçador).
Fez a curva sabe lá Deus como e entrou na Urimonduba a 110 km por hora.

Urimonduba é o nome tupi com que batizaram essa pequena rua no Itaim Bibi, rua de uma quadra só que nasce na Avenida 9 de Julho e morre na Rua Itacema. É um trecho curto demais para quem corre tanto – não é que o chofer acabe se esquecendo que a rua acaba rápido, é que ele nem se dá conta que a rua começou.

Muitos muros de São Paulo são cercas de ferro cujas balaústras são lanças com uma seta de quatro faces no alto. Era o caso. Os muros de ferro de São Paulo que parecem guardas pretorianas.

Urimonduba significa “como fazer canoa”. Itacema, a rua que mata a Urimonduba, também é nome que vem do tupi e significa “sem pedra”. Uri é criança, gente pequena; uriunduba é árvore, aroeira; e ubá é canoa de um só tronco ou casca. Urimonduba quereria dizer, muito provavelmente, segundo o estudioso Hélcias Pádua, o lugar onde os nativos construíam ou ensinavam aos mais jovens como construir suas canoas.

O Fox preto sentiu um leve solavanco ao passar direto pelo paralelepípedo da margem esquerda da Rua Itacema e o carro então saiu do chão, projetando-se para a colisão iminente. Direto para o muro. Pela velocidade, parecia que ia ser uma cena como aquelas de documentário científico, quando a flor carnívora engole a borboleta e instantes depois cospe suas extremidades.
Mas a Rua Urimonduba não terminava na Itacema. Foi o que João Gulumita descobriu ao atravessar o muro. Do outro lado do muro a rua continuava, e mesmo o muro não parecia ter existido, já que o carro atravessou direto e continuou o seu caminho.
O pavimento estava mudado do outro lado, não era mais asfalto, eram pedras de granito.
Tinha uma praça com chafariz. Tinha uma figura drummondiana arrastando-se pelo acostamento: chapéu desabado, casimira negra, negras botinas, talvez revólver?
O Fox tinha se tornado um Corcel 1973.
O lugar às vezes era o Cairo, era Lima, era Calcutá. Era a França Antártica de Villegaignon.

João Gulumita procurou um tablete de Hall’s no console do carro, mas achou apenas uma lata de tabaco mastigável. Mastigou a coisa. Checou, e o travesseirinho corintiano em forma de coração continuava pendurado no retrovisor.

Não tem nenhum carro vindo na mão oposta, então Gulumita solta o carango na banguela e aproveita que a rua agora não tem nem curvas nem lombadas eletrônicas e senta o pau na máquina.

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