segunda-feira, 18 de maio de 2009

JAMAIS CONTRE LE VENT!


o milanês michel
foto: nem de tal














É doce morrer no mar, diz a canção.
Mas, hoje em dia, se você morrer no mar, não vai mais ter aqueles rituais antigos, no qual você era jogado ao mar num caixão com uma bandeira em cima, todo mundo vestido de gala no convés, marinheiros de luvas brancas. Não, nada disso. Agora, você é encaixotado e congelado no freezer até chegar ao destino. De uma forma ou de outra, você chega.
Quem me conta é o comandante Túlio.
Descobrimos, eu e o Nem, que na cabine do comandante está o melhor bar do navio. Conhaque italiano divino. Visitar o comandante é poder dispor do bar, então o visitamos com alguma frequência.
O comandante diz que não gosta de parar na Guiné porque “sobem mais clandestinos do que ratos no navio”. Na última viagem, conta, três deles acabaram com o estoque de birras da tripulação.
E é fácil embarcar de clandestino nesses mamutes do mar. No Rio, saíamos e entrávamos no navio sem que ninguém nos interceptasse. Todo mundo fica muito ocupado com a carga e a aduana não é lá tão atenta.
Mas o navio não tem paradas previstas, serão três mil milhas sem ver terra. Das luzes noturnas de Fernando de Noronha aos pombos migrantes das ilhas do Cabo Verde, tudo que nos chegam são sinais. O desenho animado estranho na TV, falado em espanhol, dá uma idéia de que estamos passando perto de algum lugar definido no mapa, mas só imaginamos.
A piscina de água salgada é pequena demais, atravesso de uma braçada e logo me entedio. O Nem está emboscado atrás de alguns contêineres esperando o pessoal jogar o lixo no mar. Ele está injuriado com o fato de que todos jogam o lixo no mar, inclusive o nosso navio. Quer fazer reportagem-denúncia a 1,5 mil milhas de algum lugar e eu digo que se eu virar comida de tubarão vou levá-lo aos tribunais e a gente morre de rir, o xereta pitando seu cigarro de palha cujo cheiro o denuncia a quilômetros de distância.
De noite, depois de matar uma garrafa de vinho, vamos ao convés. É enorme, algo como umas quatro quadras de futebol de salão enfileiradas. Encontramos com o bonachão Michel, que fala francês com o Nem porque o Nem tem um francês muito bom e não entende muito o italiano.
Eu assumo uma pose de dono do navio e faço um pigarro enorme com a boca, drenando cuspe para uma cuspida monumental. Avanço até a amurada e jogo o cuspe lá adiante. Mas está ventando pra cacete e a cusparada volta na minha cara. Michel dá uma gargalhada e diz:
– Jamais contre le vent!
Jamais contra o vento.
Milanês filho da puta!



abril de 1990

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