Amigo meu disse que o Rock in Rio simboliza a morte da
política. Ele não desenvolveu, mas achei a ideia intrigante e resolvi aprofundar.
Estive lá no final de semana (o Rock in Rio recomeça amanhã) e colhi amostras
para análise.
Primeiro,
devo advertir que não sou um hater por vocação, não falo mal por impulso ou
para obter aprovação de amigos em bar ou em fórum da internet. Caguei para as
necessidades de socialização pelo sentimento de pertencer a uma turba.
Há séculos
descobri que não é a venue, a locação, que determina a subversão. Woody Guthrie
transformou feiras agropecuárias rednecks em palanques socialistas. Bob Dylan
foi ao coração do conservadorismo, o folk Newport Festival, munido de sua
Fender Stratocaster, para fazer a sua “passeata” pela guitarra
elétrica. Caetano, Gil e Mutantes fizeram a Revolução tropicalista pela
via dos caretérrimos festivais da canção.
É um
curioso paradoxo: o mesmo Rock in Rio que colocou na sexta-feira passada Zélia
Duncan e Martinália fazendo micagens de maluquetes no palco, pisando duro na
corridinha, "imitando" Cássia Eller, também abrigou a própria Cássia
com seu jeito de olhar de cima, quase com desprezo, cuspindo e mostrando os
peitos desafiadoramente. Cássia era o descontrole, era a vida fora dos trilhos,
não tinha nada a ver com simulação.
O mesmo festival
que tieta celebridades como Cláudia Leitte também coloca Tom Zé tocando para
100 mil metaleiros no meio da tarde escaldante (metaleiros que o estranharam a
princípio, mas depois o celebraram). Foi onde eu conheci Amadou e Mariam e vi
Bruce Springsteen cantar Sociedade Alternativa.
É claro
que há no Rock in Rio o banquete de signos, o bombardeio signíco do mundo
comercial. Ele me incomoda, como a todos vocês, é opressivo muitas vezes. Embora
deva confessar que, dessa vez, eu não achei incômodo o Playcenter do Rock in
Rio. Eu inclusive achei divertidos os casamentos exibicionistas numa capela estilo
Las Vegas – assisti a dois deles, tinham senso de humor e alegria.
Mas, quando
procurei pela política, tava difícil. Evandro Mesquita, da Blitz, quase me
surpreendeu – é difícil achar um artista com menos teor de política no sangue,
mas ele veio com um discurso do tipo “quando a gente puder voltar a sonhar
nesse País...”, e eu imaginei que viesse algo dali. Mas não saiu mais que isso.
Foi de onde
menos eu esperava que veio a política com P maiúsculo. Confesso que não
acreditei quando os Titãs, em vez de Sonífera Ilha ou É Preciso Saber Viver,
escolheram Bichos Escrotos e Polícia para fazer o seu pot pourri de anos 1980.
Seria mera coincidência, não fossem os statements políticos de Sérgio Britto (“Vocês
também são explorados. Vocês também são explorados. Aqui!”) e de Paulo Miklos (“Porque
aqui no Rock in Rio só bicho escroto é que vai ter”). Estava ali a maior
intervenção política do festival, mas o problema foi a ressonância daquilo: lá
embaixo, como aqui no jornalismo, ninguém captou.
Talvez
viesse daí o decreto de morte da política do meu amigo. O problema não está na
legitimidade do artista ou no tamanho de sua declaração pública. O problema
está no público, na incapacidade do espectador de reconhecer as mensagens. Predomina
uma consciência sem sentido histórico, sem conhecimento do que veio antes, que
não sabe o que o Brasil viveu, o que atravessou e muito menos o que o mundo vive. Que canta bem os
refrões em inglês, mas não sabe escrever nem expressar quase nada em português.
Eduardo
Cunha foi vaiado pessoalmente. Dilma foi vaiada virtualmente. Mas o impacto
dessas vaias era nulo: o cidadão como que perdera sua legitimidade pública. É tipo
a notícia veiculada nas TVs de mídia do Metrô: embalada a vácuo, desprovida de
sua organicidade, ela perde sua capacidade mobilizadora. E as caixas de
ressonância seguem essa toada: cheguei a ler notícia dizendo que estavam esgotadas
as senhas para a tirolesa.
Freddie Mercury, em 1985, fez política ao reger a multidão
em Love of My Life. A comunhão que aquilo propiciava era única, era uma
promessa utópica, um sentimento que conseguia perpassar todas as classes, as
idades, os estratos sociais. O Queen que desembarcou esse ano era só um
tributo, não tinha porque odiá-lo com tanta veemência: desde que Freddie
morreu, muitos já foram convidados para cantar no seu vácuo: Tom Chaplin
(Keane), Zucchero, Pavarotti, Robbie Williams, Paul Rodgers e o próprio Elton
John. Nada disso pretendeu ser o Queen. O novo cara, Adam Lambert, tinha só 9 anos
em 1991, quando Mercury morreu, e é um menino desses do American Idol, cuja
lição é só décor, impostura - é jeca se sentir lisonjeado que ele tenha gostado de Ney Matogrosso, Ney é um milhão de vezes mais importante.
Quanto aos outros shows, devo dizer o seguinte: Elton John e Rod
Stewart fizeram seus espetáculos de cassino com eficiência quase letárgica. Ivete
no show dos Paralamas, ocupando o lugar que foi de Djavan em Uma Brasileira,
foi (na minha opinião) uma heresia. Gojira foi chato. Metallica, sempre profissional.
Angra foi maçante até que chamou o Dee Snider ao palco.
A maior das apresentações do festival, no sentido de impacto
da palavra, foi a do grupo inglês Royal Blood. Apenas dois caras, um deles
fazendo do baixo uma espécie de dublê de guitarra (Mike Kerr), e um baterista
que poderia estar numa banda grunge (Ben Tatcher). Um power duo, como White
Stripes, Blood Red Shoes, Death From Above 1979, duas criaturas ocupando um
palco de 22 metros de altura e 44 metros de largura (você pode argumentar que o
Black Keys também faz isso, mas note que tem um baixista e um laptop atrás
deles)
Jogando-se no público contra o zelo dos seguranças, tocando
com virulência, espancando a bateria e fazendo canções como Blood Hands se
projetarem mais alto e mais palpáveis do que as megaestruturas do festival, eles preencheram um vácuo de sentido. “O
importante é que a música seja a representação do que o artista pensa e no qual
acredita”, disse Mike Kerr. O Royal Blood mostrou que a política não só ainda não
morreu como não tem jeito de matá-la – mesmo que o comportamento de manada assim o
indique.
Um comentário:
Boa jotabe! Um grande salve, meu caro!
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