ajudando suplicy esta manhã a descobrir o retrato de filomena, sua mãe (foto helvio romero)
A empregada não
veio e Suplicy está de pijama na cozinha. Enche um bule de água, coloca no
fogão. O telefone toca o tempo todo, ele mal tem tempo de colocar 6 colheres de
café no coador de papel. Oferece cereais. “Fizemos o que era possível, vou
continuar a batalha, vou continuar insistindo em todas as idéias em que
acreditamos”, ele diz a alguém no telefone.
A noite foi longa. Suplicy
deu entrevistas até a uma hora da manhã. Na TV Estadão, ele cantou Blowin’ in
the Wind, de Bob Dylan, seu número musical mais famoso. Na TV Record, cantou
Father & Son, de Cat Stevens, “mas só a parte do pai”, informa. “Fui dormir
às 2h, ficamos aqui confraternizando com a equipe”, disse, para explicar porque
cancelou a ginástica, que faz todo dia às 6h45. Pela manhã, tinha esse encontro
comigo (a pauta seria acompanhá-lo pelo dia todo, mas caiu). Ao meio-dia, iria à cabeleireira Noêmia, na Avenida Faria Lima,
aparar o cabelo.
“Me desculpem, o
telefone toca demais!”, ele se explica, e volta ao celular, tempo que é o justo
para que eu file umas jabuticabas do terreno do vizinho, cujo galho se projeta
para o quintal do senador. “Tenho o sentimento do dever cumprido. Obrigado pela
força, sempre!”, diz a outro alguém do outro lado da linha. Tomamos o café que
Suplicy finalmente terminou de preparar na saleta de sua biblioteca, que possui
4 mil livros. Entre um e outro princípio de conversa, ligam para lhe pedir entrevistas
a CBN de Ribeirão Preto, duas TVS, vários amigos. Ele também tem entrevista no
portal Terra às 14h. Tem entrevista agendada por telefone para a Rádio Atual.
De noite, o senador
planeja ver o filme Na Quebrada, acompanhado de Mano Brown, do Racionais, e
seus filhos. Suplicy é um dos raros políticos brasileiros que têm trânsito
livre pelo meio do hip-hop. Ele foi ao presídio para ajudar na defesa do rapper
Afro X. Ele foi à delegacia quando Mano Brown foi preso na Marginal do Tietê
sob acusação inconsistente. Ele ouve tudo isso e sorri com as maçãs do rosto,
parece não ter muito tempo para elogios. Quer falar sobre o bisavô, o conde Francesco
Matarazzo, que morreu em 1937 (Suplicy nasceu em 1941). “Cem mil pessoas
acompanharam o funeral do meu bisavô, da Pamplona, onde ele morava, até o
cemitério da Consolação”, conta.
O bisavô só
acreditava na transmissão do controle de suas fábricas para um único filho.
Escolheu Ermelino Matarazzo para controlar tudo, mas o filho comprou um automóvel
lá na Itália e morreu precocemente num acidente automobilístico. Irônico notar
que, hoje, o nome Ermelino Matarazzo é associado primeiramente a um bairro na
periferia de São Paulo. Ermelino era para ser o astro-rei da família, o centro.
No canto da sala da
casa do senador Suplicy há alguns quadros empilhados, semi-cobertos por pilhas de livros. Ajudo a desentocar o
belo retrato acadêmico de Filomena, sua mãe (que morreu aos 105 anos em
dezembro do ano passado). O quadro foi pintado pelo alemão Tony Koegl, que
imigrou para o Brasil em 1927, estabelecendo-se em São Paulo. Outro retrato,
mais precioso, é o que mostra um seu antepassado, Pierre de Suplicy, pintado em
Toulouse, França, em 1696. Na mesa da sala, há uma folha de papel solta onde
ele andou rascunhando alguma coisa. Fotografo o manuscrito. “Acordei cheio de
energia pa... Acordei animado com a curva fortemente ascendente das pesquisas.
Fiz a minha aula de ginástica com a Tatiana Abicair e estou preparado para a
reta final da campanha”.
Suplicy, como
todos sabemos, perdeu a eleição. Vai deixar o Senado após 24 anos no dia 31 de
janeiro. Essa segunda-feira é seu day after após os números. No domingo, depois
de saber do resultado, ele postou no Facebook uma foto com o poema de Drummond,
No Meio do Caminho. Antes mesmo do final da apuração, já havia tido 300 mil
curtições. O guardador de carros da Praça Guilherme Kawall, que salva os
visitantes de Suplicy das multas colocando talonetes de Zona Azul para eles, sorri
para o senador. “Bom, eu votei no senhor, o senhor sabe”.
Suplicy lamentou
não ter tido tempo para visitar os 648 municípios de São Paulo em sua campanha.
Parece abatido, mas basta uma nova ligação e ele retoma o viço e o entusiasmo.
Agora quer falar sobre a Cooperativa de Vendedores do Parque do Ibirapuera, que
ajudou a criar há 13 anos, e de como seus 115 cooperados hoje têm filhos
advogados e estudantes de medicina e de como os 120 carrinhos foram conseguidos
com uma empresa de refrigerantes.
Ele conta que
está pensando em ligar para Marina Silva, sua amiga. Acha que é necessário um
esforço de reconciliação. “Não foi certo comparar Marina com Collor e Jânio. Ela
tem outra origem, ela foi seringueira, foi doméstica, estudou, fez o seu
caminho”, afirma. Diz que seria correto, em sua opinião, que ela mantivesse a
neutralidade.
“Combatemos o bom combate”, diz o senador a
outro interlocutor, pelo celular. Ele diz que não tem planos por enquanto para
o futuro – nada sobre alguma possível candidatura. “Amanhã vou fazer um
pronunciamento, analisando tudo”, conta. Em dezembro, vai à Índia
para uma
palestra sobre a renda básica da instituição BIEN (Basic Income Earth Network).
Menciona que os
filhos João e Supla estão embarcando para os Estados Unidos logo mais. “Me
pediram para não falar isso, porque podem ficar pensando que eles estão indo
por causa do resultado da eleição, mas eles têm feito boas temporadas por lá,
já tocaram em 50 cidades americanas”, diz, orgulhoso. “Eles cantam, eu apenas
brinco”.
Suplicy agora convida
para correr em volta da praça. Eu afino, o tempo dele parece se medir em
séculos e o meu é curto. Mas não posso deixar de desejar o melhor para o
senador em sua nova vida civil, o homem me lembra aqueles mestres do desenho
Kung Fu Panda – zen, parecendo atrapalhado mas cheio de tenacidade, como assinalou o Cláudio Abramo. Dá
vontade de parafrasear aquele famoso verso “quem nunca dormiu no sleeping-bag
nem sequer sonhou”, de Gil. Quem nunca ganhou um exemplar autografado de Renda
Básica da Cidadania, do Eduardo Suplicy, nem sequer sorriu entrando à direita
na Marginal Pinheiros.
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