quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

CRÔNICA DE UMA INAUGURAÇÃO


ana de hollanda, ministra da cultura, chora ao final do show de sua irmã, miúcha, no teatro paulo autran, ontem à noite

foto: juvenal pereira













O tempo todo, o governador Alckmin tirava do bolso um lenço branco de algodão e enxugava o suor que descia da testa, em bicas.
Dos fundos dava para ver melhor. E respirar melhor também, porque o saguão da biblioteca tinha se tornado uma sauna.
Um assessor especial se postava atrás das autoridades, carregando uma mochila nas costas, de onde retirava copos descartáveis com água gelada – abastecendo exclusivamente o ex-governador Serra com um sorriso solícito, uma espécie de Dirceu Borboleta do asfalto.


“Ê, Kassab, vai pegar busão!”, berravam os manifestantes no grande saguão.
Impassíveis à gritaria, duas repórteres de jornal ficaram o tempo todo, à esquerda, com os braços erguidos, segurando os gravadores próximos às caixas de som.

“Kassab, ladrão, abaixa a condução”, berrou uma menina tão menina que parecia a Natalie Portman naquele filme em que o Jean Reno era o assassino que vivia fugindo carregando uma samambaia. O PM à paisana encostou o rosto no da menina manifestante, como se fosse lhe dar uma cabeçada, mas ela nem piscou, continuou gritando.

Na reabertura da Biblioteca Mário de Andrade, ontem, todo mundo subitamente era amante dos livros.
– “Não tinha livro em casa, eu vinha aqui para ler”, disse o ex-candidato a presidente José Serra, que passou a infância na Mooca – uma longa caminhada de uns 6 km até o centro era mole para o menino-prodígio.
– “Nossa casa era forrada de livros. A paixão que meu pai tinha pelos livros passou para os filhos”, discursou a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, filha de Sérgio Buarque de Hollanda, namorada de Jards Macalé.

Muita gente foi conferir o “banho de loja” que a Biblioteca Mário de Andrade sofreu.
Para abafar o ruído dos inúmeros ônibus Praça Ramos e adjacências que passavam por ali, os arquitetos bolaram uma espécie de estufa de vidro na parte externa do prédio, uma mistura de escudo e jardim de inverno.

Também muita gente boa flanava por ali. A escritora Lygia Fagundes Telles, perto de completar 88 anos, contou uma história deliciosa. "Conheci Mário de Andrade em 1944. Eu era uma mocinha de boina. Tomei chá com ele na Confeitaria Vienense. Ele me perguntou o que estava tocando e eu disse: É o Danúbio Azul", divertia-se. "E agora, os meus livros estão aqui. Então eu estou salva".

Estranhei ao ver por ali o notável palhaço Hugo Possolo, dos Parlapatões, de papagaio de pirata. Depois de vê-lo como o papa corrupto de Dario Fo no palco, em O Papa e a Bruxa, me era impossível imaginá-lo como um homem de inaugurações e solenidades, mas porque um palhaço não pode também ser pragmático?

Em solenidades, as intenções nunca estão escancaradas. As palavras parecem queimar a língua, daí o uso de eufemismos.
O ex-candidato Serra foi o que se saiu melhor nesse quesito. Denominou o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil, que tem notória fama de mal humorado, de “zangado”. Também confessou que, em seu curto tempo de prefeito, costumava passar por cima do secretário “zangado” e ir direto ao diretor da biblioteca, Luiz Francisco, para discutir detalhes das obras. "O diabo, infelizmente, está nos detalhes", disse, dando um tom moralista ao célebre ditado popular alemão.

Chuva e um trovão que parecia um morteiro calaram os discursos e a manifestação por alguns segundos.

O prefeito Kassab estava sendo acusado de trair suas promessas de campanha (como a de não aumentar o preço do ônibus, hoje a R$ 3 - era R$ 1,70 quando ele assumiu) e de ser uma "marionete" da especulação imobiliária. O ex-prefeito Serra estava ali para inaugurar novas promessas de campanha.

Os gritos recomeçaram. Kassab tentou sair, o segurança "Kojak" deu uma “gravata” no garoto com o cartaz. Seguranças e policiais, em São Paulo, defronte a um ato democrático, sempre reagem como se fossem a velha PM do Antonio Carlos Magalhães.

O repórter da Rádio Bandeirantes andava para lá e para cá com uma pauta na mão, mais angustiado que o goleiro na hora do gol. Como entrar ao vivo no programa do furibundo Datena fazendo uma pergunta a um ministro da Cultura?, brincou uma colega. De fato. O que perguntar? Não o invejei.

A loira repórter da TV, linda e fora do seu habitat natural, esforçou-se para fazer uma pergunta inteligente. Quis saber quando o ministério da Cultura fará uma biblioteca-modelo tão exuberante quanto a Mário de Andrade. Obviamente, ela não frequenta bibliotecas, mas se o fizesse saberia que a Mário de Andrade, nos últimos 20 anos, andou mais caída do que a churrascaria rodízio 2001 às vésperas do fechamento. Seus computadores para pesquisas eram velhos Atex de tela verde. E passou a maior parte dos últimos 10 anos fechada.

Dali, fui cumprir o resto do ritual no Teatro Paulo Autran, no show da cantora Miúcha, irmã de Ana de Hollanda e Chico Buarque, mãe de Bebel Gilberto, ex-de João Gilberto. Ana chorou, e só o Juva viu. Essa eu conto outro dia.
O que me intrigou mais ali foi aquela senhorinha que comprou um lugar na fila L, poltrona 13, e dormiu do começo ao fim do show, abraçada à bolsa.

Um comentário:

Isabela Pedreira disse...

É estranho... Estava agora verificando noPortal da Transparencia e vi que o ator SérgioMamberti, então diretor da FUNARTE ganhou em "diárias" até novembro de 2010 o total de 60mil reais. São quase 6 mil reais por mês além de ajuda de moradia. Caramba!!!!
Mais que o próprio ministro Juca Ferreira